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O colapso da política global

Não é preciso mais novos exemplos para identificar o colapso das instituições multilaterais e da política global, seja no campo da paz — objetivo primordial das Nações Unidas — seja na política climática e ambiental — objeto das duas convenções assinadas na Rio 92, do Clima e da Diversidade Biológica. A invasão da Ucrânia pela Rússia, o descontrole da reação de Israel ao ataque sanguinário do Hamas, são exemplos suficientes, no campo da resolução de conflitos da impotência da ONU e da irrelevância de seu Conselho de Segurança. No caso do Conselho de Segurança, é evidente que o poder de veto das principais potências representa um bloqueio real e irremovível a qualquer decisão efetiva.

Ainda mais inservível é o BRICS, uma ficção incorrigível, que reuniu, numa conjuntura específica, para o objetivo de curto prazo e privado de um analista de estratégia para um banco Internacional, quando Rússia, China, Índia e Brasil pareciam ter alguma em comum como países emergentes. Virou um organismo multilateral, com aumento da presença de países autoritários, sem interesses reais em comum, banco próprio e poder concentrado na China e na Rússia. Reúne-se esta semana na Rússia, um apanhado heterogêneo de países, cuja pauta é fóssil, tanto no sentido da paz global, quanto das emissões de gases estufa.  

O avanço da sexta extinção, com destruição acelerada da biodiversidade do planeta, e a elevação continuada da emissão de gases estufa, com o agravamento do aquecimento global que está nos levando a transitar da mitigação da mudança climática para a emergência climática, mostram a ineficácia das Convenções sob o guarda-chuva institucional da ONU.

Vamos ficar no plano das duas Convenções climático-ambientais. As duas guerras têm ocupado o noticiário e convocado a pluralidade de especialistas para analisar sua dinâmica, os interesses em jogo e a insinceridade das pressões internacionais, seja sobre a Rússia, para que negocie um acordo para o fim da invasão, seja sobre Israel para aceitar o cessar-fogo e a troca de reféns. A COP 16, reunião dos países signatários da Convenção sobre a diversidade biológica, está começando hoje, em Cali, Colômbia. Dificilmente sairá dela uma decisão que seja realmente implementável e leve à aceleração das ações globais para atingir o objetivo, chamado 30×30, de reduzir em 30% — apenas 30% — da destruição de espécies até 2030. Ao contrário, nenhum dos países apresentará avanço suficiente nesta meta. Além disso, os 17 países megadiversos, como os classificou Russel Mittermeier para a International Conservation, que têm 70% de toda a diversidade biológica do planeta, aos quais caberia liderar o processo de interrupção da extinção,  não constituem uma coalizão multilateral viável. São heterogêneos demais politica e geopoliticamente, para se entenderem.

A lista não deixa dúvida. Os dois maiores são Brasil e Indonésia. Os mais poderosos são Estados Unidos e China. Os demais países megadiversos são, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela e México, na América Latina, Índia, Austrália, Malásia, Vietnam, Madagascar, Papua Nova Guiné, Filipinas, República Democrática do Congo e África do Sul. É improvável ver essas dezoito nações tão díspares, com interesses em conflito, formarem consenso em torno de metas efetivas.  Mesmo na América Latina, é difícil imaginar a Venezuela de Maduro, associando-se aos outros quatro para um acordo real em torno de metas ousadas de redução da destruição da faixa de biosfera que controlam.

Na Convenção do Clima, cuja COP 29, que se reúne no Azerbaijão entre 11 e 22 de novembro próximo, as belas frases motivacionais, “solidariedade por um mundo verde”, “aumentar a ambição e viabilizar a ação”, “processos inclusivos para resultados inclusivos”, não levará a mais do que uma decisão pelo mínimo comum e objetivos que não serão alcançados.

Toda a tragédia climática do último ano, que provocou milhares de mortes e bilhões de dólares de perdas, não fez com que os países mudassem de posição na real. No papel, há políticas que poderiam dar certo, como a proposta por Joe Biden para os EUA. Mas, quando se busca resultados concretos, eles estão muito aquém do esperado e mais longe ainda do necessário e desejável.

O mesmo se pode dizer da diversidade biológica, cuja proteção está muito distante das metas propostas e parte dela é decisivamente influenciada pela mudança climática. O caso dos corais e da biodiversidade marinha é o melhor exemplo. O aquecimento dos oceanos e sua acidificação matam os corais que são essenciais à reprodução de boa parte da vida marinha. Pelo lado da destruição da biodiversidade, o desmatamento reduz a absorção de CO2 da atmosfera e contribui para aumentar as emissões, seja por causa das queimadas a ele associadas, seja por causa da substituição de floresta por pasto para o gado.

O grau de articulação real entre as duas COPs é ínfimo, diante, da evidente correlação entre  os fenômenos que são objeto de seus compromissos centrais.