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BRICS retrocede no ponto mais importante para Lula

Terminou hoje a cúpula de dirigentes do BRICS, em Kazan, na Rússia, com ausência do presidente Lula, impedido de viajar pelo pequeno traumatismo craniano após acidente no Alvorada. O comunicado final deu um passo atrás no apoio à entrada de Brasil, Índia e África do Sul no Conselho de Segurança da ONU. No comunicado da reunião anterior, em Johannesburg, na África do Sul, havia referência explícita aos três países. No comunicado assinado em Kazan, fala-se apenas “entrada de membros do BRICS no Conselho de Segurança”.

Este é um ponto central da política externa do Brasil, que tem reivindicado um assento permanente no Conselho de Segurança. Um ponto que Lula sempre defende junto aos BRICS e a outros foros multilaterais. A referência genérica enfraquece a defesa dos três, porque agora o BRICS tem mais membros, entre eles, países como Irã, que jamais seriam aceitos no Conselho de Segurança.

Mesmo ausente, Lula falou ao plenário de dirigentes em streaming na madrugada de 4a feira, 23/10. Falou como um estadista habituado a transitar no cenário global. Não deixou de defender a paz negociada tanto em Gaza, quanto no conflito Ucrânia–Rússia, embora sem anotar que este nasceu de uma invasão unilateral do território ucraniano. Aproveitou bem o BRICS como plataforma para suas melhores ideias na diplomacia global, relativas à política climática e à paz.

O tema mais espinhoso para o Brasil, a entrada da Venezuela, não será decidido em Kazan, apesar do comparecimento inesperado de Nicolás Maduro. Em diplomacia, “surpresas” são raras. Provavelmente Putin, se não convidou Maduro, sabia que ele iria. Apesar das negativas do chanceler Mauro Vieira, os diplomatas dos outros países “fundadores” são unânimes em dizer que o Brasil vetou a entrada da Venezuela e da Nicarágua.

O presidente Lula tem tentado usar da melhor forma possível a sua posição de terceira nação mais influente no BRICS. Como ao indicar a ex-presidente Dilma Rousseff para a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), uma posição confortável para ambos. De todos os países, o Brasil é o de encaixe mais problemático no grupo. Primeiro, porque não está no território geopolítico e cultural dos demais países. Segundo, como potência regional do continente americano, enfrenta o risco de aumentar a taxa de conflito com os Estados Unidos e a Europa. Terceiro, tem menos interesses reais que o grupo pode ajudá-lo a realizar, do que China, Rússia e Índia. Quarto, a vocação autoritária dos países mais poderosos que constituem o BRICS, China e Rússia, e dos novos membros, Irã, Egito, Emirados Árabes e Arábia Saudita, esta última parece recalcitrante em aceitar o convite. Mesmo na Índia, Narendra Modi está minando por dentro alguns dos pilares da complicada democracia do pais.

Ele disse que aos dirigentes que o BRICS é “um ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima”, embora reconhecendo que a maior responsabilidade é dos países mais ricos, dos quais cobrou “ir além dos US$ 100 bilhões prometidos e nunca cumpridos”. China, Rússia e Brasil estão entre os grandes emissores de gases estufa do mundo. Defendeu o monitoramento dos compromissos assumidos na Convenção do Clima um ideia que sempre encontrou muita resistência da China. “O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva”.

Lula redefiniu o tema das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que desde o já caduco Protocolo de Quioto, serviu de álibi para os países emergentes, como China e Brasil, não apresentarem metas de redução de emissões de gases estufa. Afirmou caber também aos países emergentes fazer sua parte para limitar o crescimento da temperatura global em 1,5oC, acertado no Acordo de Paris. Prometeu que na COP 30, ano que vem, o Brasil vai demonstrar a compatibilidade dos compromissos de redução de emissões contidos nas “Contribuições nacionalmente determinadas”, NDCs,  com o princípio das responsabilidades diferenciadas.

De qualquer modo, o BRICS ainda não é um fôro multilateral relevante o suficiente para justificar grandes sacrifícios brasileiros no campo diplomático. Ele nasceu como um artifício de análise financeira, nos Estados Unidos. Em 2001, o economista Jim O’Neil, da Goldman Sachs, escreveu sobre países que poderiam mudar a economia mundial. Brasil, Rússia, Índia e China pareciam estar alinhados em crescimento que poderia transformá-los em novos propulsores da economia global. A África do Sul entrou em 2010, quando o alinhamento entre eles se desfazia.

A China realmente se tornou a segunda maior economia do mundo, com efeito dinâmico na economia global. O Brasil cresceu bem até 2010, para depois entrar num ciclo de baixo crescimento no qual se encontra até hoje. A Índia mostrou capacidade de crescimento, mas seus problemas internos e sua democracia mal arrumada reduziram o alcance de sua influência. A Rússia se tornou, apenas, uma exportadora de petróleo e problemas, além de consolidar uma tirania brutal.

Para os interesses da China de concorrência com os Estados Unidos e consolidação da sua hegemonia geopolítica regional, um acerto multilateral com esses outros países era bom. Para a Rússia, o BRICS era uma oportunidade de consolidar sua aliança com a China e poder confrontar a OTAN, que batia em suas fronteiras, e ser uma via para romper o isolamento político do mundo democrático.

Para o Brasil, na época, governado por Lula e, depois, Dilma Rousseff, era uma via para avançar com o projeto do “sul global”. O BRICS virou instituição multilateral, com banco próprio, domínio da China e usado pela Rússia para mostrar algum trânsito internacional. Até agora, não gerou benefício palpável para o Brasil.