O resultado final dos dois turnos das eleições municipais mostra a tendência de recomposição do eixo partidário local, com eventual repercussão no realinhamento partido na Câmara dos Deputados, em 2016. Foram eleições competitivas, com destaque para a confirmação da tendência de reeleição, agora turbinada pelas emendas partidárias. Eleição municipal é sobre questões locais e disputas locais de poder. Não envolve ideologia, nem projeta o que serão as eleições gerais.
O PSD, partido criado por Gilberto Kassab, ocupou o lugar do PMDB/MDB como maior força municipalista, tendo eleito 887 prefeitos. O MDB, ficou em segundo, com 856 prefeituras, mantendo sua vocação para a política local, construída ainda no período da ditadura militar. O União Brasil, que nasceu de uma costela do DEM, que foi PFL, que nasceu de uma costela do PDS, que nasceu de uma costela da UDN, ficou em quarto, com 583 prefeitos. O terceiro maior partido municipalista é o PP, de Ciro Nogueira, com 745 prefeituras. Ele foi PPR, até 2003, o qual nasceu da fusão do PDS com o PTR. É um partido de vocação oportunista, parte importante do centrão, com um recente viés direitista mais forte com o apoio de Nogueira a Bolsonaro. Mas a maioria de seus candidatos manteve discurso moderado e se beneficiou das emendas partidárias e do fundão, com comportamento típico de centrão e não da extrema-direita.
Eleições municipais nada têm a ver com as eleições majoritárias para presidente, nem indicam tendências do eixo da disputa presidencial. O corte partidário, muitas vezes, mostra que partidos aliados no plano nacional são rivais no municipal. Gilberto Kassab, em entrevista recente, classificou os partidos da seguinte maneira: PT, PSB, PSOL, PCdoB e PDT, esquerda; PSD, MDB e União, centro, eu diria centro-direita; e PL, PP e Republicanos, direita. Seguindo essa classificação, há rivalidades locais na esquerda, na centro-direita e na direita. O PDT anda perdendo a vocação de esquerda que lhe imprimiu Leonel Brizola. Em Fortaleza, comandado por Ciro Gomes, que liberou o voto no segundo turno, aderiu ao candidato da extrema-direita, contra o PT, que saiu vitorioso.
O resultado final não é uma correlação de forças muito diferente daquela da época de dominância do PMDB e PFL. O PSD, com uma estratégia de poder evidente traçada por Kassab, ocupou uma parte do território do MDB e do DEM e pretende substituir o PSDB no eixo bipartidário de disputa presidencial. Este, continua minguando, elegeu apenas 273 prefeitos.
Análise mais detalhada dos resultados, mostrará a concentração da força desses partidos em alguns estados e não em outros. O PSD, por exemplo, ganhou basicamente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia, e a importante prefeitura do Rio de Janeiro. Uma característica típica do sistema partidário brasileiro, que é muito diferenciado nos estados e municípios e os arranjos municipais e estaduais são distintos do sistema nacional resultante do voto para presidente, deputados e senadores.
O PT nunca teve vocação local. Recuperou um pouco de sua força municipal, que sempre foi secundária na vida do partido, elegendo 252 prefeitos. Em 2020, elegeu apenas 183. Aumentou, também o número de vereadores, para 3129. Foram 2663, em 2020. O partido desde 2012 não governava uma capital do Nordeste e agora vai comandar Fortaleza. Mudança importante na estratégia do PT foi buscar mais alianças partidárias, inclusive cedendo a cabeça de chapa e aceitando mais candidaturas a vice-prefeito. Aliou-se a 14 partidos, inclusive vários que apoiaram Bolsonaro, até o PL. O destaque foi o apoio a Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, capital em que o PT já teve algumas vitórias, mas nunca foi o partido dominante.
Quem venceu as eleições, foi a centro-direita, assegurando o controle de 2326 cidades, uma plataforma importante de cabos eleitorais, principalmente juntando os vereadores, para as proporcionais para deputados estaduais e federais, em 2026. O PL de Valdemar Costa Neto, que tem um puxadinho para Bolsonaro, elegeu 515 prefeitos. PL, Republicanos, com 433 prefeituras, e PP, a “direita” segundo Kassab, vai controlar 1693 municípios. A esquerda é menor nas cidades, com 711 prefeitos, sobressaindo-se o PSB, com 309 prefeitos eleitos. Como os parlamentares dos partidos da centro-direita e a maioria dos que estão em partidos da direita são de corte clientelista e formam o centrão, o grande beneficiário das emendas parlamentes e dos “fundões” eleitoral e partidário, essa hegemonia local, tende a ajudar a hegemonia parlamentar do centrão. Dependendo do presidente a ser eleito em 2026, compromete muito a governança, com efeitos negativos sobre a governabilidade, marca da conjuntura atual do Lula III.
A “direita” cindiu, mostrando que prescinde de Bolsonaro e sua vocação está mais para centrão do que para aventuras de mãos dadas com o fascismo. Bolsonaro tentou ser protagonista nessas eleições e saiu muito perdedor, elegendo muito poucos extremistas. Perdeu mais para a própria direita e centro-direita do que para a esquerda.
Lula ficou deliberadamente fora da campanha municipal. Naquelas cidades em que se empenhou mais, como São Paulo, perdeu. Não foi um protagonista importante na campanha municipal, nem creio que quisesse ser. Ao contrário de Bolsonaro que, este sim, pode ser considerado o maior perdedor.
Gilberto Kassab tem um plano para ele mesmo e o PSD. Quer ser uma espécie de híbrido de MDB e PSDB, com vocação municipalista e estadual e competitivo no eixo bipartidário presidencial, tornando-se o equivalente ao PSD da Segunda República (1946-1964). Plano ambicioso, mas factível. Portanto, nem será um aliado fiel de Lula e do PT, nem de Bolsonaro e da extrema-direita.
Há lideranças novas em formação. Vê-se isso no exame das principais figuras dessas eleições, seja daquelas lideranças que venceram por contra própria, como João Campos, em Recife; seja daquelas lideranças que elegeram prefeitos teleguiados, como Tarcísio de Freitas, com Ricardo Nunes, inclusive, com abuso de poder político e da mentira, pelo que espero que responda à Justiça. Mas essas lideranças ainda não têm projeção nacional. Minha intuição, ou como se diz em inglês “educated guess”, é que numa eleição presidencial, sem Lula e sem Bolsonaro, ou com um Bolsonaro tardio e enfraquecido pelo longo período de inelegibilidade, a disputa presidencial será fragmentada, como foi em 1989. Só a partir daí o eixo bipartidário presidencial se estruturará, com o amadurecimento de novas vocações presidenciais. Algo que para o Brasil atual é gênero de primeira necessidade.