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A sombra imprevista sobre o G20/Brasil

O comunicado dos líderes do G20 estava pronto para ser assinado. As expectativas já estavam ajustadas à mudança próxima da postura dos Estados Unidos que passará de razoavelmente cooperativa para nada cooperativa. Mas, o cerrado ataque russo à Ucrânia explodiu também no G20, fazendo o G7 pedir a reabertura do comunicado para falar sobre o conflito. Esse desenvolvimento inesperado frustra, em parte, o trabalho da diplomacia profissional brasileira que havia conseguido manter os temas que impedem qualquer consenso.

A pauta brasileira tem três prioridades. A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, a Transição Energética e a Governança Global. A Aliança contra a fome foi o tema de maior sucesso. Já houve   adesão de oitenta países, anunciou Míriam Leitão na Globo, e o programa terá governança multilateral, por meio da FAO, a agência para alimentação e agricultura da ONU. O financiamento também virá de organismos financeiros multilaterais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento. O programa será montado em torno de políticas públicas bem-sucedidas de vários países, como o Bolsa Família brasileiro e o microcrédito para mulheres de Bangladesh. Foi desenhado para ficar imune à ação de governos hostis como o de Donald Trump, que assumirá a Casa Branca em janeiro de 2025.

O tema da transição energética e mudança climática terá, no máximo, uma citação no comunicado final. Especialmente a preparação para a COP 30, em Belém, em novembro de 2025, fica muito prejudicada. Em Belém, na COP que reúne os países signatários da Convenção do Clima, cujo principal objetivo era a revisão para cima das metas de redução de emissões, desandou com o resultado da eleição nos EUA. Não há a menor possibilidade de se reduzir as emissões no volume e na velocidade necessários para manter o teto de 1,5oC de aquecimento global médio do Acordo de Paris. As emissões americanas devem crescer, com o aumento do uso de combustíveis fósseis pelo país e pelo desmonte da EPA, a agência ambiental americana que estabelece os limites de emissões das empresas.

Estive na semana passada em Belém e fiquei espantado com o grau incipiente de preparo da cidade para receber um evento do porte de uma COP. A COP 29 está em curso em Baku, no Azerbaijão. Onze meses são tempo muito curto para corrigir todos os problemas que identifiquei na cidade. O sistema viário da cidade está em mal estado de conservação. O Hangar, que é o local para convenções em Belém não me pareceu ter área suficiente para atender às necessidades de uma COP, que além do plenário, precisa de salas de negociação para os grupos de trabalho, sala de imprensa com estações de trabalho para todos os jornalistas, além das cabines destinadas às TVS e às rádios.

A questão da governança global, com reforma das organizações multilaterais, especialmente o Conselho de Segurança da ONU, já era muito difícil com o conflito em Gaza e na Ucrânia. Com a eleição de Trump fica praticamente impossível. Rússia, Estados Unidos e China usarão seu poder de veto para bloquear qualquer mudança.

Nem por isso, a reunião do G20 sob a presidência do Brasil corre o risco de naufragar nos impasses globais. Embora os temas geopolíticos e climáticos não avançarão, ficando no máximo nas menções no comunicado final. A consagração da Aliança Global contra a Fome e Pobreza já será suficiente para marcá-la como bem-sucedida e garantir sua entrada para a história.

Se os bancos de desenvolvimento e os fundos específicos forem bem gerenciados para atender às necessidades específicas das políticas de fundamentação social e não-econômica, um desafio especialmente para os bancos, acostumados a projetos de investimento, pode fazer diferença em um mundo ainda com enorme contingentes de pessoas com fome e na miséria. Dando certo, pode ter efeitos colaterais positivos, reduzindo tensões internas e a pressão por imigração por razões socioeconômicas em vários países.