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A Cúpula da Terra, em Washington

A Cúpula da Terra, convocada pelo presidente Joe Biden, foi uma prévia importante sobre o que acontecerá em Glasgow, na Escócia, quando a COP26, a conferência das partes da Convenção do Clima, se reunirá no mês de novembro. A agenda da COP26, já estava fixada, porque ela deveria ter ocorrido em novembro de 2020. Diante da gravidade da pandemia global no final do ano passado, houve a decisão sensata de adiá-la para 2021. E qual é o ponto central da agenda? Rever as metas do Acordo de Paris para 2025, 2030 e 2050, com o objetivo de, na linguagem da convenção, aumentar a ambição, ou seja, metas mais agressivas. A cúpula convocada por Biden indicou que EUA, União Europeia, Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia, submeterão metas mais ousadas. Biden se compromoteu a cortar as emissões americanas em 52% até 2030 com base nas emissões de 2005, dobrando a meta para 2025. A União Europeia e o Reino Unido comprometeram-se a adotar a meta de cortar em 55% as emissões, com referência às emissões de 1990. O Canadá anunciou avanços importantes para precificar o carbonbo emitido. Este valor pode ser utilizado como imposto sobre carbono e, também, no mercado de carbono. Os usos serão definidos até o final do ano, ou seja, o plano completo será apresentado em Glasgow. Já o Brasil, manteve a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030, a mesma submetida à COP15, na Noruega, em 2009, e reiterada no Acordo de Paris, em 2015.

O Brasil na Cúpula
Bolsonaro ficou em 20o lugar na lista de oradores. Irritou-se, mas era de se esperar. Ele e seu então ministro das Relações Exteriores regozijaram-se em fazer do Brasil um pária, em nome da manutenção de suas visões negacionistas. Por meio de Bolsonaro, o Brasil saiu de sua posição de líder, nas reuniões do clima, para a de pária. E pária, em princípio, nem fala. Bolsonaro teve o privilégio de fazlar em vigésimo lugar. Devia comemorar a boa vontade da Casa Branca.

Mas, ele não aproveitou a oporunidade, a segunda chance que lhe foi dada. Nada disse de novo. Ainda que se apropriando de ideias e metas de seus antecessores, mas, contraditoriamente, atribuiu ao passado os nossos problemas ambientais. Minimizou o papel do Brasil como emissor e exagerou a limpeza de nossa matriz energética. A matriz elétrica tem, de fato, mais fontes renováveis do que fósseis. Mas, nem todas nossas hidrelétricas são de baixa emissão e algumas delas têm ou tiveram impacto ambiental muito grande. A matriz energética brasileira tem um componente elevado de óleo e carvão. Exagerou ao dizer que nossa agropecuária é das mais sustentáveis do mundo. Segundo ele a agricultura brasileira produz mais com menos recursos. Só não explicou onde entrou, nesse cálculo da suposta sustentabilidade o uso excessivo de agroquímicos como defensivos e fertilizantes nitrogenados. A defesa que fez da bioeconomia foi retórica e falsa. Ele acredita que o desenvolvimento da Amazônia está na mineração, geração hidrelétrica e agropecuária. Nem bio, nem sustentável. Bolsonaro fala do que não entende, pediu justa retribuição pelos serviços ambientais prestados por nossos ecossistemas. Isso não remunera combate ao desmatamento e sim a captura de carbono pelas florestas preservadas, o valor da biodiversidade protegida, a qualidade das águas limpas. A compensação por desmatamento evitado cai nos objetivos do Fundo Amazônia, congelado pela ação hostil de Ricardo Salles. Lá estão US$ 3 milhões. O triplo do que Bolsonaro e seu trêfego ministro do Meio Ambiente andam determinando como valor como o resgate da Amazônia, hoje sitiada por grileiros, garimpeiros e desmatadores protegidos pelos dois.

Mentiu, ao dizer que está fortalecendo as agências de fiscalização e controle. Ao contrário, como se vê, diariamente, está desmontando todo o aparato de comando e controle arduamente construído, ao longo de décadas. Mentiu ao dizer que dobrou os recursos para esses órgãos. A verba orçamentária prevista foi reduzida significativamente. Mesmo que dobre, eles não chegariam ao seu valor em 2018, sem corrigir opela inflação.

Todos os chefes de estado que o precederam mostraram atitude muito mais cooperativa e, além de mostrar ações efetivas já em prática, indicaram a intenção de elevar suas metas para cumprir os compromissos do Acordo de Paris mais rápida e agressivamente. A única meta nova que anunciou foi a de neutralizar as emissões até 2050. Antes a meta estava fixada para até 2060. Para contruibuir para esta meta, Bolsonaro teria que retirar os garimpeiros das terras indígenas, inibir e punir os grileiros e desmatadores e adotar uma série de outras medidas de comando e controle e de governança, que dependem apenas de sua vontade.

Hidrogênio
Vários países, entre eles, Canadá, Argentina, Austrália e Chile, falaram em hidrogênio. É uma questão da maior relevância. A viabilização do hidrogênio, em três dimensões, produção em larga escala, com baixo consumo de energia na produção e a baixo custo, seria um turning point. Só o hidrogênio pode realmente substituir o petróleo em praticamente todos os usos. Uma economia baseada em hidrogênio, eólica, solar e biomassa seria plenamente capaz de se desenvolver sustentavelmente. O século XXI caminhará para ser o da economia do hidrogênio, do mesmo modo que o século XX foi o século da economia do petróleo, ou da economia do carbono.

O presidente Sebatián Piñera, do Chile, surpreendeu com uma atitude ousada, com propostas e promessas concretas. Disse que, em breve, o Chile se tornará exportador de hidrogênio para ajudar as outras nações a descarbonizar suas economias. Adicionalmente, propôs a criação de uma área de proteção marinha na Antártica, para preservar todo o mar da região, muita rica em biodiversidade, onde há espécies sob risco de extinção, como as baleias, os pinguins e os leões marinhos, uma aspiração antiga dos países antárticos.

A vice
Kamala Harris abriu a cúpula e não Biden. É um sinal de muitas coisas. Primeiro, Biden sempre dá centralidade à vice-presidente em todas as iniciativas alinhadas com a agenda progressista, de cuja construção ela participou ativamente e foi, certamente, um canal para as demandas da esquerda Democrata. Pode indicar que Biden a prepara para ser sua sucessora na Presidência. Seria um gigantesco passo para a inclusão política de mulheres e outras minorias. Se Kamala Harris sucedesse a Biden na Presidência, seria uma revolução, primeira mulher, primeira descendente de imigrantes, primeira negra a ser presidente. Daria um enorme impulso ao empoderamento de mulheres, imigrantes e minorias.

China
Xi Jinping fez um discurso substantivo e defendeu fortemente a descarbonização e indicou um futuro compromisso, no final do ano, de redução do uso do carvão. Até agora, a China continuava a construir termelétricas a carvão ainda que substituindo outras muito mais poluentes. A China sob comando de Xi, já mudou seu padrão de desenvolvimento, que passou a admitir taxas menores de crescimento do PIB, redirecionando as metas para a internalização do progresso e para um modelo mais sustentável.

Não antecipou que metas apresentará em Glasgow, mas é certo que levará alguma surpresa. Se não, a declaração conjunta que assinou com Biden, compreendendo os dois países a apresentar metas mais ambiciosas, ou agressivas, à COP26, como decidido em Paris, por ocasião do histórico acordo. É um passo histórico. Desde a COP14, em Bali, o impasse nas negociações do clima era resultado das posições irreconcialiácveis dos EUA e da China. Em Copenhague, como relatei em meu livro Copenhague Antes e Depois (Record, 2010), esse impasse foi objeto de tensa negociação, numa reunião fora de agenda do BASIC, o grupo negociador formado por Brasil, África do Sul, Índia e China. Nessa reunião, mediada por Lula, o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh e o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, Obama e o primeiro-ministro Wen Jiabao debateram o principal ítem do impasse entre as duas nações. Contaram com a experiência de Lula como líder sindical e, portanto, um especialista em negociar conflitos, e de Manmohan Singh, que tinha intimidade com o mecanismos de resolução de conflitos da OMS.

Agora, EUA e China se unem para resolver os impasses causados por Donald Trump e seus satélites, como Bolsonaro e impulsionar a COP26 rumo à exitosa revisão das metas de 2015, do Acordo de Paris.

Financiamento Verde
Terminadas as apresentações dos governantes, o enviado especial para o clima de Biden, John Kerry, coordenou um painel sobre finanças verdes. Houve várias autoridades importantes, a começar por Janet Yellen, a Secretária do Tesouro, que ressaltaram a importância de aumentar e tornar realmente disponível fluxos substanciais de financiamento para descarbonizar as economias e para adaptação à mudança climática já contratada, ou seja, inevitável, por causa do acúmulo de gases-estufa na atmosfera do planeta. Yellen falou, também, da proposta orçamentária de dotação do Fundo do Clima, no valor de 1,5 bilhão de dólares.

A brecha financeira identificada pelos especialistas da ONU, está na ordem de 1 trilhão de dólares. Kerry disse que será necessário mobilizar o capital financeiro privado para se unir aos governos e suprir essa brecha. A presidente do FMI, Kristalina Georgieva, fez uma forte defesa do estabelecimento de um preço para o carbono, ecoando o que disseram o primeiro-ministro do Canadá e a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern. Georgieva disse, também, que daqui em diante o FMI incluirá o risco climático nos diagnósticos que faz dos países.

Se, em Glasgow, medidas concretas como a Leaf Coalition recém-lançada liderada pelos Estados Unidos, Reino Unido e Noruega e formada por nove macroempresas globais, com o objetivo de incentivar a proteção de florestas tropicais e o robustecimento do Global Green Fund, ajudarem a elevar o volume dos fluxos financeiros para apoiar a mitigação da mudança climática e adaptação, outro impasse será rompido. A questão do financiamento dos esforços de descarbonização e preservação de forestas tropicais vem se arrastando desde o início dos anos 2000, ao longo das conferências das partes da Convenção do Clima.