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Lula e o eixo perdido da governabilidade

Lula vai governar com uma coalizão heterogênea e volátil. O líder do governo no Senado, o experiente senador Jacques Wagner, não encontra um tamanho fixo para governo e oposição no Senado. “Vai depender da matéria. A linha de raciocínio não é uniforme por partido”, disse, em entrevista para a Folha. Já era assim antes, mas se agravou com o crescimento do centrão.

O presidencialismo de coalizão está desarrumado. O eixo bipartidário que disputava a presidência da República se rompeu em 2018. O PSDB se estilhaçou e hoje é um partido pequeno, de direita. Não está claro que partido o substituirá na disputa presidencial com o PT. Não será o PSL, partido que elegeu um governante incidental, nem o PL. No Congresso, a proibição de coligações proporcionais e a cláusula de barreira mais alta reduziram a fragmentação. Mas os partidos ainda são muitos e as bancadas medianas. A governabilidade ficou mais penosa e mais dependente do desempenho macroeconômico do governo.

A democracia brasileira precisa de novas lideranças

Neste primeiro mês de governo, Lula acertou muito mais do que errou na política. O principal tropeço foi desmentir sua promessas de ser “governo de um mandato só” e já falar que pode disputar a reeleição. Não deveria. A fila tem que andar. A democracia brasileira precisa de novas lideranças. Elas não crescem na sombra espessa dos longevos. É preciso dar a elas as condições de amadurecerem. Lula pode ser o emulador dessa mudança geracional na política, o fazedor de líderes e não só no PT, mas em toda a frente democrática que o elegeu.

Lula acerta na saúde ao apoiar politicamente a estratégia da ministra Nísia Trindade de dar prioridade à vacinação e à recuperação do SUS. Também acerta muito ao chamar à responsabilidade pais que não vacinam suas crianças. Está certo ao tornar obrigatória a vacinação das crianças do Bolsa Família. Protege os filhos dos mais pobres. A noção de liberdade da ultradireita de pais se recusarem a vacinar seus filhos é moralmente injustificável. Ela se anula diante do direito maior das crianças à saúde, ao bem-estar, à educação e a uma vida plena.

Lula age corretamente ao proibir garimpos em terras indígenas e unidades de conservação. Os garimpos, além de ilegais, só destróem, espalham doenças, poluição e violência. Por onde passam deixam um rastro de mortes, doenças e sérios problemas sociais. Acertará ainda mais, se aprovar a destinação do que resta de terras públicas não destinadas. A terra pública não destinada, aquela que não foi definida como terra indígena, unidade de conservação ou área de exploração econômica, é o alvo preferencial de grileiros e da ocupação ilegal. Seria um passo muito importante no caminho da regularização fundiária da região.

Onde Lula erra mais é ao confundir o ocupante da presidência do Banco Central com a própria instituição. Ao insistir no ataque repetido ao banco central independente e à política de controle da inflação cria ruído e nenhuma boa solução. Banco central independente e controle da inflação não são pautas neoliberais. O banco central independente é hoje padrão nas nações resolvidas. Há políticas neoliberais de estabilização, mas a metodologia de metas de inflação não é uma delas. É utilizada inclusive por governos progressistas. A tolerância com a inflação concentra renda, atinge principalmente os mais pobres. Lula sabe disso. O Brasil ainda é muito indexado. Quem vive de rendas e de ganhos de capital tem como se proteger da inflação. Os assalariados é que não têm. Em uma conjuntura de alto desemprego, os trabalhadores têm ainda menos margem de defesa da inflação. Capitalistas podem ganhar com juros e inflação altos. Trabalhadores perdem.

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