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A democracia precisa de boas políticas públicas como o Plano Real e o Bolsa Família

O regime democrático vive de boas políticas públicas que dêem soluções estruturais aos problemas do povo. Foi assim no Brasil depois da Constituição de 1988. A hiperinflação devorava salários e popularidades presidenciais. A democracia criou as condições para o Plano Real. A estabilidade obtida por ele garantiu a democracia abalada pelo impeachment de Collor em seus momentos iniciais. A legitimidade do governo e a popularidade do presidente, nascidos do conforto econômico resultante da política monetária bem sucedida, aplainaram o caminho da consolidação democrática. O Real trouxe, também, a primeira onda de melhoria da distribuição de renda, de melhoria da cesta alimentar das classes de baixa renda. A expansão do consumo fortaleceu a agropecuária, a indústria e o comércio. O Real elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso.

A segunda política pública bem sucedida e que pavimentou ainda mais a trilha democrática foi o Bolsa Família. Ela também foi fruto da democracia. A estabilidade monetária obtida pelo Real permitiu a transição pacífica de poder e Lula foi eleito prometendo manter a sequência madura da política anti-inflacionária, o regime de metas de inflação. A inflação baixa gerava conforto econômico na base da pirâmide de renda, mas deixava ainda mais nítidas as desigualdades distributivas e a pobreza. Mesmo com a moeda estável muita gente não tinha renda mínima para garantir a comida de cada dia. O Bolsa Família veio para enfrentar esse problema. O ensaio, antes da aplicação geral para o Brasil, foi no governo do DF, com Cristovam Buarque, então no PT, com o Bolsa Escola, entre 1995 e 1998.

Não por acaso, o Real e o Bolsa Família estão no topo do ranking das políticas públicas mais importantes segundo pesquisa do IPESPE para a Febraban, divulgada há seis meses. Além disso, 66% se diziam preocupados com a inflação e 79% consideravam que seu combate deve ser prioridade do governo.

Com Lula, o Bolsa Família unificou os programas de transferência de renda, elevou seu valor ao mínimo necessário e pôs comida na mesa dos pobres. Gerou a segunda onda de melhoria na distribuição da renda. Os ganhos foram ainda mais altos e alcançaram ainda mais pessoas do que a primeira onda redistributiva do Real, cujo objetivo principal era derrotar a inflação. Esta, além de todo os males na economia, piorava a distribuição da renda. Como o Bolsa Família era um programa de transferência de renda — as pessoas recebiam dinheiro — ele só foi possível porque a inflação estava sob controle.

Paradoxal é que, por causa da rivalidade no eixo bipartidário que elege presidentes e por certa cegueira ideológica, o PT nunca reconheceu as virtudes do Plano Real e o PSDB desprezou o Bolsa Família, apesar de sua semente ter germinado timidamente primeiro em seu quintal, na prefeitura tucana de Campinas, com o bolsa escola. As duas políticas são fruto da democracia e se tornaram âncoras da continuidade do processo de democratização do país. As duas deram respostas estruturais às necessidades do povo e deviam fazer parte do cardápio progressista e democrático como exemplos de como atender às demandas populares, legitimar governos e fortalecer a democracia.

O Real não foi produto apenas de um presidente determinado e um grupo de economistas criativo e competente. Foi resultado de uma aliança entre eles e o povo. Sem a adesão imediata e entusiasmada do povo à URV e, em seguida, ao Real, o plano encararia o colapso, como os outros. Quando esteve por um fio, na desvalorização, que irritou o povo frustrado nas expectativas criadas pela reeleição de FHC, foi essencial sua adesão para que o programa de metas de inflação desse certo.

O Bolsa Família deu renda mínima aos mais pobres e popularidade firme a Lula. Ele o reelegeu, em 2006 e a combinação entre renda melhor e estabilidade de preços foi um dos pilares de sua popularidade e legitimidade. Foi, em grande medida, a memória desses anos Lula que lhe deu a votação, principalmente no Nordeste proporcionalmente o maior beneficiário do Bolsa Família, para derrotar Bolsonaro. Foi, também, uma política pública garantida por uma aliança entre governo e povo.

Com a volta da democracia, a irritação do povo com a inflação que devorava seus salários e esvaziava sua despensa nas cozinhas, passou a engolir presidentes.

O PMDB virou partido quase hegemônico com o fugaz sucesso do Plano Cruzado. O fracasso do Cruzado ajudou a eleger Collor e deu a Ulysses Guimarães uma votação pífia e imerecida.

Collor teve um momento de aprovação, quando seu indecoroso plano confiscou os saldos bancários e as poupanças, mas derrubou brevemente a inflação. É o momento em que se encontra Javier Milei, hoje, na Argentina. Em seguida, com o retorno explosivo da inflação, que rapidamente retomou sua trajetória hiperinflacionária, chegando a número estratosféricos, Collor desceu ao inferno e se tornou muito impopular.

A popularidade de Dilma Rousseff, que chegou a ser tão forte quanto a de Lula e, em alguns momentos lhe deu aprovação numericamente superior, foi devastada pela subida da inflação para dois dígitos. Foi o combustível principal que derrubou sua aprovação na média das pesquisas de 80% para 10% e elevou sua reprovação para 70%. Os números variam entre os institutos, mas é esta a ordem de grandeza.

Bolsonaro teve votos para se eleger, mas nunca teve a aprovação popular. Na média, o máximo que conseguiu foi em torno de 40%. Sempre foi reprovado pela maioria, sua reprovação girava, na média, em torno de 65%. A inflação, com a pandemia por ele negligenciada, chegou a dois dígitos, variando entre 10% e 12%, em 2021 e contribuiu para certificar sua derrota na busca da reeleição.

O Plano Real nasceu na democracia e garantiu a democracia. A inflação indexada foi uma invenção da ditadura. Tinha o mesmo efeito que a censura. Reprimia a inflação impedindo-a de se converter em hiperinflação, mas a mantinha elevada, prestes a se livrar das amarras da repressão. Era exatamente como os censurados cuja criatividade crítica explodia, assim que a censura amainava.