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Não se polariza o que está polarizado

É estranha a ideia de que o evento no Congresso Nacional para lembrar como a democracia foi golpeada no 8/1 de 2023 e resistiu poderia ter sido polarizado e perdido o caráter institucional. Havia um fato concreto que reunia todos os Poderes: uma tentativa de golpe, que destruiu as sedes dos Três Poderes, especialmente da Suprema Corte, o alvo principal da ira e do ressentimento do candidato de extrema-direita derrotado nas eleições de 2022. Havia um autor operacional: militantes, seguidores e eleitores de Jair Bolsonaro, que ameaçara o TSE, o STF e, pessoalmente, o ministro Alexandre de Moraes. Havia antecedentes que permitiram identificar motivações e conexões políticas dos golpistas. Os acampamentos na frente dos quartéis, a invasão da sede da Polícia Federal, entre outros. Consumado o golpe, o que felizmente não aconteceu, quem seria o beneficiário? Jair Bolsonaro.

Como tratar da tentativa de golpe sem registrar de que lado ele saiu? Como polarizar um ambiente polarizado? Como tratar de uma tentativa de golpe, sem falar de golpistas? Como abrir feridas que jamais cicatrizaram e continuaram a ser fustigadas?

Querer relembrar a tentativa de golpe sem polarizar é uma contradição em termos. Golpe despolarizado nunca existiu. Golpes nascem da polarização extremada e emocionalizada, que os psicólogos sociais denominaram de afetiva, baseada no ódio vs veneração. Essa polarização inflamada é sempre puxada pelos extremistas e fazer menção ao lado golpista não tem o condão de agravar o que já existe em estado de gravidade máxima.

Há uma persistente fração, embora cadente em algumas dimensões, de pessoas que continua mobilizada pela pregação mentirosa e difamatória da extrema-direita no Brasil. Está na casa dos 20% na média de várias questões. Estas polaridades se mantêm nas plataformas e nos grupos de Telegram. Está registrada no livro de Felipe Nunes e Thomas Traumann, Biografia do Abismo.

A pesquisa Genial/Quaest, dirigida por Felipe Nunes, mostrou que apenas 6% apoiam a tentativa de golpe de 8/1. Mas, quando se trata da incitação de Bolsonaro, a polarização aparece com nitidez, 47% dizem que foi influenciada por Bolsonaro e 43% dizem que ele não influenciou a tentativa de golpe. Praticamente a mesma divisão entre os que votaram em Lula, 48%, e em Bolsonaro, 43%, no primeiro turno de 2022. Na pesquisa AtlasIntel, o resultado é parecido, 53% acham que Bolsonaro deveria sofrer alguma punição legal e 43% acham que não deve. A diferença é metodológica, centrada na diferença entre as perguntas, que induzem, como se sabe, respostas distintas. Mas, são resultados congruentes. Mostram que, como não poderia deixar de ser, golpes e tentativas de golpes nascem de visões polarizadas extremas e levam a percepções distintas sobre os eventos a eles ligados. Basta lembrar que há ainda, quem chame o golpe de 1964 de revolução. Todos os generais-presidentes falaram em restaurar a democracia que, na visão deles, havia sido ameaçada pelos “comunistas”.

O evento de 8/1 de 2024, no Congresso Nacional, foi institucional. E foi político. Reunindo os chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas não o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que preferiu um café da manhã com Bolsonaro. Não poderia deixar de ser político. Tratava-se de lembrar que o centro do poder político-institucional foi atacado com violência extrema, com o objetivo de provocar uma operação de GLO, intervenção militar e anulação do resultado de eleições legítimas e corretas para Presidente da República.

Como não ser político-institucional em um evento para tratar do sentido e das sequelas deste ataque e de como as instituições democráticas foram mobilizadas para evitar que se concretizasse?

Foi institucional, porque sua ênfase estava na resistência das instituições e como aperfeiçoa-las para torna-las menos vulneráveis aos golpes.

O evento não podia deixar de enviar uma mensagem inequívoca ao país de que se sabe quem esteve por trás da tentativa de golpe e que serão todos punidos exemplarmente, para que outros não se sintam encorajados a tentar algo semelhante no futuro. Lembrar para que não se repita. O tom, a forma e o sentido do evento institucional de 8/1 de 2024 foram corretos.