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Câmara fóssil ameaça segurança coletiva

Tramitam na Câmara dos Deputados dezenas de projetos de lei contra o meio ambiente, a favor do desmatamento e dos desmatadores, contra o licenciamento ambiental e de desincentivo à transição energética. Se aprovados projetarão o Brasil no século XVIII e o deixarão na contramão de todas as democracias do mundo. Até algumas autocracias, como a China, têm buscado corrigir o rumo de suas políticas ambientais e climáticas, combater a poluição, reflorestar, despoluir os rios.

O Brasil testemunhou a política antiambiental conduzida no desastroso governo Bolsonaro. Mas, o efeito do experimento de desmonte de instrumentos de políticas públicas se prolonga na bancada eleita pelo grupo de partidos que aderiu a seu projeto de extrema-direita. Derrotado no Executivo, teve sobrevida no Legislativo.

O ato mais recente desatino fóssil foi incluir carros elétricos no chamado imposto do pecado, na regulamentação da reforma tributária. É o imposto geralmente destinado, em todo o mundo, a produtos que causam danos à saúde, como bebidas alcóolicas e tabaco. Pior ainda, retiraram as armas desse imposto e puseram os carros elétricos. Os argumentos são indigentes. Alguns patentemente ignorantes da realidade ou apenas de má fé.

Dou alguns exemplos dizem que a infraestrutura necessária ao tráfego dos carros elétricos com instalação de pontos de recarga tem custo. É falso. A maior parte das instalações está sendo feita pelas próprias montadoras que reconhecem ser indispensável ter a infraestrutura para ampliar a atratividade de seus veículos. Tenho encontrado, em viagens, estações de recarga em postos de combustível, financiados pelos próprios ou em parceria com as montadoras. Esta é questão facilmente equacionada em acordo público/privado.

Outro argumento é que a produção e o descarte das baterias e outros componentes também causam impactos ambientais. Se esta fosse razão para sobretaxar produtos, tem uma lista enorme que deveria ir à frente por terem impacto muito maior. As baterias são de longa duração — a maioria tem garantia de 5 a 8 anos — e basta determinar que sejam objeto obrigatório de logística reversa por conta da montadoras ou das produtoras de baterias. Todas as justificativas são como estas, falsas ou vazias.

Os carros elétricos e híbridos — apenas os híbridos completos, híbridos série e híbridos plug-in, que usam o motor elétrico para propulsão e o motor a combustão interna como auxiliar — são parte da transição energética em todo o mundo. No caso do Brasil os motores a combustão interna deveriam ser movidos exclusivamente a biocombustíveis, como o etanol, sem a possibilidade de uso de gasolina ou diesel. Os carros a hidrogênio verde produzido com energia eólica e solar, também fazem parte desse movimento para fora do motor a combustão fóssil.

O Brasil tem condições competitivas ótimas para participar na ponta deste processo. Pode e deve entrar na produção de ônibus, caminhões e veículos elétricos leves sobre trilhos. Esses veículos não podem ter a mesma lógica de taxação que os a combustão interna movidos a combustível fóssil porque estão na fronteira da inovação e são essenciais à transição energética.

Claro que o ideal seria um mundo onde só houvesse transporte público eletrificado, mas este é um desenho de sociedade muito longe ainda da mentalidade dominante na maioria das sociedades. Portanto, a solução é que o carro usado para transporte individual seja elétrico.

Os projetos antifloresta e antivigetação nativa deviam ter sido engavetados diante das evidências da tragédia que atingiu todo o estado do Rio Grande do Sul, exatamente porque houve supressão indevida de vegetação nativa, desmatamento de matas ciliares e ocupações de áreas de preservação permanente nas imediações de rios e lagoas. Também deveria ter sido suficiente a constatação de que a redução da vazão dos rios do planalto e do lençol freático, por causa do desmatamento e das queimadas, está secando o Pantanal. Prejudicará seriamente os empreendimentos agropecuários no Cerrado. Um sobrevoo ou o simples exame das imagens de satélite da parte norte da Amazônia dão uma prévia do que será toda a Amazônia se o desmatamento não for zerado à vera. É razão para rasgar de vez o PL 3334/23 que reduz a reserva legal na Amazônia.

Os acidentes trágicos de Mariana e Brumadinho, a toxicidade de rios gaúchos produzida pela descarga de rejeitos químicos industriais em suas águas deviam ser argumento suficiente para fortalecer, modernizar e equipar o licenciamento ambiental que, para empreendimentos cujos impactos transcendam a fronteira municipal, deveria ser exclusiva responsabilidade do Ibama. É tão óbvio. A segurança coletiva depende da qualidade e precisão das análises de agências reguladoras como o Ibama e a Anvisa.

O PL 2159/21 chamado Lei Geral do Licenciamento Ambiental, deveria se chamar lei de desregramento ambiental, pois torna o licenciamento, que hoje é a regra, em exceção e amplia o licenciamento autodeclaratório. Ou seja, a empresa declara que não tem impacto ou eliminou os impactos que tem e pode fazer o que quiser. Basta lembrar a tragédia Yanomami com o garimpo ilegal em suas terras. A extradição de ouro teve sua legalidade aceita, até pouco tempo, em base puramente autodeclaratória, deu no que deu, banditismo generalizado e lavagem. Bastava o comprador declarar que o havia comprado de boa fé. O contrabando, a devastação se tornaram legais por uma simples e falsa assinatura em um pedaço de papel de saco de pão. O projeto de lei quer que seja assim em toda instalação de atividade econômica.

Se esse conjunto de leis antiambiente for aprovado porá a segurança coletiva do Brasil em risco iminente, no médio e longo prazo destruirá nossa agricultura, secará nossos mananciais, intoxicará terras e águas, envenenará a produção agricola que restar. Além disso, reduzirá o volume de chuvas, levando à desertificação uma grande parte de nosso território. Imagino que os que propõem essas medidas não tenham filhos, nem netos, ou por eles não devotem qualquer bom sentimento, pois os estarão condenando a viver num país sem recursos naturais, com péssima qualidade de vida, insuportavelmente quente, em permanente escassez hídrica.

Tenho certeza de que muitos leitores considerarão o que escrevi acima exagero. Mas é apenas extrapolação de fenômenos já observáveis, que estão acontecendo na vida real, não mais em simulações científicas. O Rio Grande do Sul, antes de ser inundado, já havia perdido parte da produção para uma longa e dura seca. O resto se foi debaixo d’água. Enquanto chovia demasiado no Sul, o Pantanal e a Amazônia secavam antes da temporada seca. As queimadas estão devastando partes da Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. Estão devastando florestas e áreas habitadas na California. O fogo faz o mesmo na região do Mediterrâneo europeu, particularmente na Grécia e Espanha. As ondas de calor têm matado milhares de pessoas nos Estados Unidos, na Rússia e na Europa.

Estes projetos, para ser mais preciso, não são contra o meio ambiente, a floresta, os rios, são contra o Brasil. Eles prejudicarão severamente o país no seu desempenho econômico, flagelarão populações inteiras, levarão à destruição de infraestrutura impondo gastos acima da capacidade fiscal do Estado.

São todos inconstitucionais e, provavelmente, serão barrados no Supremo Tribunal Federal. Outro de seus efeitos colaterais será acirrar o conflito entre os Poderes que enfraquece a democracia e, novamente, contraria os interesses coletivos.