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Biden vs Trump ou Presidente impopular vs ex-presidente impopular

Debates não afetam as escolhas eleitorais. Isso, no geral. A evidência é volumosa. Mas, mau desempenho, demonstração de fraqueza ou tibieza podem ter efeito sobre os indecisos e as escolhas menos firmes. É isso que os Democratas temem, depois do debate de ontem, 27/6. A eleição será decidida pelos independentes, que têm crescido muito com o descrédito dos dois partidos, Democrata e Republicano, especialmente nos estados de voto flutuante.

Mas os fatores determinantes do voto no EUA também operam contra Biden. Então, por que ele e Trump seguem embolados e está claro que as eleições serão decididas por margem estreita de votos, nos estados flutuantes, swing states, os campos decisivos da batalha eleitoral, battlegrounds? Arizona, Wisconsin, Georgia, Pennsylvania, Michigan e Nevada. Estes estados, fortemente divididos, já deram vitória a Democratas e Republicanos.

Eleição sempre tem incerteza, mesmo em democracias semissoberanas como o EUA, onde o voto é indireto. A incerteza é um combustível poderoso da democracia, que ativa os interesses e mobiliza o povo. As eleições recentes, no mundo todo, refletem o impacto de fatores estruturais ligados à mudança global, que provocam medo, insegurança e muita insatisfação. Esse tipo de efeito leva à identificação com discursos agressivamente negativos em relação ao status quo. Trump ganhou por isso em 16. Mas já não conquista novos adeptos, deixou de ser novidade e, testado, fracassou.

No EUA, dois fatores têm sido dominantes na determinação do voto, o estado da economia e a geopolítica global, associada ao “excepcionalismo americano” que faz os americanos se verem como diferentes do resto do mundo, xerife global e defensor global da liberdade. Democratas e Republicanos adotam versões nuançadas desse “excepcionalismo”, que define a mentalidade hegemônica e imperial desde, pelo menos, o final da Primeira Guerra. Os dois fatores são diretamente afetados pelas mudanças estruturais, tanto em suas manifestações locais, quanto globais.

O fator econômico

A economia americana não vai bem, nem está em crise aguda, como praticamente todas as grandes economias do mundo. O crescimento é razoável, o consumo tem crescido. As estimativas são de crescimento mais robusto em 2024. O desemprego está baixo. A inflação teve forte repique em 2023, está em torno de 3% e acima da meta do FED, que é de 2%. Os juros estão muito altos e o FED não dá sinais de que vá baixá-los. Juros afetam muito a classe média, especialmente as hipotecas imobiliárias. A renda real, apenas empata com a inflação.

Mas, a economia como um todo sofre gravemente de problemas distributivos. A renda segue sendo muito desigualmente distribuída. O desemprego é muito alto em determinadas categorias, como blue-collars e trabalhadores rurais formais. Empresas vão mal nos setores mais tradicionais, que estão sendo engolidos. A economia cresce em alguns setores, outros ainda não se recuperaram inteiramente do choque da pandemia, outros, ainda, estão em acentuado declínio.

Em resumo, o estado desigual, diferenciado da economia, afeta o voto de modo praticamente imprevisível pelos instrumentos usuais de captação de tendências eleitorais, como as pesquisas e a análise das votações anteriores. Por exemplo, nos estados decisivos, os campos onde a batalha eleitoral pode ser definida, será como 2016 ou como 2020? Numa, Trump ganhou em todos, na outra, Biden foi o vencedor.

A geopolítica global

É enorme a insatisfação com a posição geopolítica atual do EUA, sobretudo em relação ao apoio a Netanyahu na invasão de Gaza, e no envolvimento americano na guerra na Ucrânia. Biden tem oscilado nessas questões e demonstrado não ter influência real sobre Netanyahu, apesar da dependência histórica de Israel ao apoio americano. Também tem sido ambivalente em relação à Ucrânia e o fato é que nem o EUA, nem a OTAN têm capacidade para demover Putin da campanha de conquista dos territórios da ex-URSS.

As organizações multilaterais, criadas no contexto pós Segunda Guerra para administrar a guerra fria, estão em colapso. O EUA não consegue mais exercer a liderança que exercia sobre o chamado “bloco ocidental”. A China só atua para preservar seus interesses e continua ensimesmada como sempre foi. Putin, tenta desesperada e brutalmente, recuperar a força da antiga URSS para a Rússia, o que é uma tarefa impossível, com custos muito elevados.

O risco geopolítico aumentou exponencialmente e, pela primeira vez, há ameaças e suspeitas de recurso ao arsenal nuclear, o que se tornou impensável, desde a crise dos mísseis de Cuba, no governo Kennedy. A deterrence (impasse) nuclear funcionou perfeitamente no século passado e nas primeiras duas décadas desde século para afastar este risco. Ele tem, com razão, gerado muita insegurança e insatisfação no EUA e na Europa.

Os dois são impopulares

Sinal dos tempos, os dois candidatos são impopulares. Portanto, popularidade não definirá a eleição. Na média das pesquisas, Biden tem 56% de desaprovação. Trump, tem 53% de desaprovação. Não há diferença estatística relevante entre os dois. Por isso os dois estão empatados nas pesquisas e a decisão será, novamente, no fio de cabelo.

Não gosto das análises tipo, um venceu o outro perdeu no debate. Ambos perderam. Trump não se comprometeu a aceitar o resultado de 2024. Isto levanta o temor de que repetirá a tentativa de golpe de mão de 2020. Trump aumentou a aversão daqueles que não gostam de mentiras descaradas. Trump aumentou a aversão de latinos e negros por ele. Trump não consegue explicar o 6/1, a invasão do Capitólio, nem sua condenação por tantos crimes e ilicitudes (crimes and midemeanors).

Biden aumentou o temor daqueles que o vêem fraco demais, frágil para ser o commander in chief. O chefe-guerreiro defensor do excepcionalismo americano. Biden deu munição para os etaristas. Realmente passou fragilidade, coisa que vem sendo apontada há algum tempo pela imprensa e pelos analistas. Há pessoas de 80 anos que demonstram muito mais tônus vital.

O que há de especial nesse debate é seu ineditismo. Nunca se fez um debate antes das convenções partidárias, a Republicana será entre 15 e 19 de julho e a Democrata, entre 19 e 22 de agosto. Nesse sentido, o debate certamente aumentará a disputa interna no partido Democrata pela substituição de Biden e haverá pressão muito forte direta sobre ele, para que renuncie à candidatura. Ninguém tem condições de prever o que resultará dessas pressões.

A própria eleição é inédita. Desde 1912 um presidente no cargo (incumbent) disputa a presidência com um ex-presidente. Desde 1956, um ex-presidente não se candidata novamente. A emenda 21, que proíbe mais de dois mandatos consecutivos ou não, foi aprovada em 1951. Portanto, há muitos elementos de imprevisibilidade e que mobilizam setores menos ativos da população.

Os estados críticos

Estados críticos são mais que estados flutuantes, que decidem as eleições, oscilando entre um lado e outro do bipartidarismo. São estados decisivos porque vivem mais cedo e fortemente o impacto das mudanças estruturais que têm sido identificadas lá como “revolução industrial 4.0”. Especialmente a digitalização da produção manufatureira e da grande agricultura industrial, com forte destruição de postos de trabalho. Abaixo uma breve análise de cada um dos seis estados mais críticos para a disputa presidencial americana.

Arizona, um estado de crescimento demográfico acelerado, com aumento proporcionalmente alto de latinos (hispânicos) era reduto tradicionalmente republicano. Hillary Clinton praticamente empatou com Trump, em 2016. Em 2020, Biden superou Trump.

Wisconsin, um estado industrial, enfrentando o declínio da indústria analógica, era reduto Democrata. Trump venceu lá em 16. Biden, tomou dele em 20. Eleitores independentes crescem, ameaçando a hegemonia bipartidária no estado.

Georgia, outro reduto Republicano. Trump venceu em 16 e perdeu em 20 por um fio de cabelo. Foi ao secretário de Estado da Georgia que ele pediu que virasse os votos a seu favor. A Georgia tem população negra muito grande, cada vez mais mobilizada, o crescimento dos subúrbios tem muito a ver com a afluência negra. No EUA, subúrbios são as áreas residenciais próximas ao centro das grandes cidades, onde mora a maior parte da classe média. A população rural perde força.

Pennsylvania, sempre foi dividida. Um campo de batalha permanente. Tem um grande número de delegados, portanto, é dos estados mais relevantes. Trump bateu Hillary por pouco mais de 40 mil votos. Biden bateu Trump por 80 mil. Estado com grande população de operários, blue-collars, insatisfeitos com a decadência das indústrias analógicas. Como na Georgia, forte crescimento dos subúrbios, especialmente no entorno de Philadelphia e Pittsburgh.

Michigan, estado tradicionalmente Democrata, industrial, forte presença de eleitores blue-collar. Mesmo que na Pennsylvania. Trump venceu em 16, por 10 mil votos. Biden, em 20, por 155 mil.

Nevada, estado republicano. Trump venceu lá em 16 com 45,5% dos votos, perto de 30 mil de vantagem. Biden virou em 20, com 47.7% dos votos, 33 mil a mais. É um estado de crescente diversidade demográfica, com crescimento de latinos e asiático-americanos e povos das ilhas do Pacífico. Forte contraste rural-urbano, Las Vegas e Reno, são grandes centros urbanos, praticamente do o resto é rural. Sofreu muito com a pandemia, porque vive do turismo, do jogo e da economia criativa. Aumentou dramaticamente a demanda por serviços de saúde.