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Que centro?

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Líderes de partidos que se autoidentificam como de Centro, hoje uma posição singularmente difícil de definir na política brasileira, reuniram-se em um almoço desanimado para discutir uma candidatura que seja diferente de Lula e de Bolsonaro. Convocada por um bolsonarista arrependido, o ex-ministro Henrique Mandetta, mas, ao que parece, não conseguiram apontar um nome de consenso. Teria que ser alguém capaz de unir o “centro”, ter potencial de voto suficiente para atrair o terço de eleitores que não se define nem por Lula, nem por Bolsonaro, ter liderança para assumir o comando das ações desses partidos, redirecionando-as para o processo eleitoral, principalmente para a escolha de candidatos nos estados que ajudem na eleição presidencial.

O centro é difícil de definir, hoje, porque ele precisaria diferenciar-se e ocupar a mediana entre Bolsonaro, extrema-direita bem definida, o centrão e Lula. É um espaço vazio, que não foi ocupado por nenhuma liderança expressiva até agora. Por isso mesmo, Lula está se aproximando dele. Ele busca reconquistar antigos aliados que se autolocalizam neste centro, como Gilberto Kassab, do PSD, um partido que tem adquirido musculatura política, enquanto o Dem e o PSDB perdem massa. No almoço do centro vazio havia lideranças que se aproximaram de Bolsonaro, como o presidente do Dem, ACM Neto. O grande desafio desse centro autodefinido, é unir-se para aderir ao campo democrático, no qual Lula é parte, e que se define por oposição ao projeto autoritário de Bolsonaro. Vários deles estavam na coalizão bolsonarista que elegeu Arthur Lira presidente da Câmara.

O PSDB, cujo presidente foi ao almoço, está dividido e tudo indica que fará prévias. Se João Dória ganhar as primárias, ele poderá ajudar a resolver uma parte da incógnita que embaça o cenário político-eleitoral. Por que ele não ganhou credibilidade e apoio popular com o sucesso de sua iniciativa de apoiar o desenvolvimento e a produção da Coronavac pelo Instituto Butantan? As intenções de voto para a presidência em Dória não melhoraram. Sua rejeição é a terceira maior, de 30%. Mas é melhor que a de Lula, 36%, e muito melhor que a de Bolsonaro, 54%, segundo o Datafolha de maio de 2021.

Nas simulações de intenções de voto para o segundo turno, Dóriajá está um ponto à frente de Bolsonaro, 40% a 39%, embora não tenha indicações espontâneas significativas e apenas 3% na pesquisa estimulada para o primeiro turno. Talvez seja um indício de que, na comparação entre os dois, considerando que um fez a vacina e o outro insistiu na cloroquina, Dória já está se saindo melhor.

Se tomarmos a pesquisa espontânea, que dá Lula com 21%, Bolsonaro com 17% (este é o tamanho real de seu apoio social, na minha visão), sobram 49% de indecisos, 2% que apontam Ciro Gomes, 1%, que disseram outros nomes e 8% que dizem pretender votar em branco ou nulo. Isto que dizer que 62% não dizem nem Lula, nem Bolsonaro, espontaneamente.

Quando os nomes de possíveis candidatos são apresentados para o primeiro turno, os pesquisados se redistribuem, Bolsonaro recebe mais indicações, com 41%, seguido por Lula, com 23%, Moro, 7%, Ciro, 6%, Dória 3%, Mandetta, 2%, Amoedo, 2%. Em branco ou nulo passam a 9% e os indecisos caem para 4%.

Nas simulações para o segundo turno, Lula supera Bolsonaro, 55% a 32%. Há um paradoxo, nste número. Bolsonaro perde 9 pontos, em relação à intenção de votos no primeiro turno. Se for, mesmo, um indicador prévio de volatilidade do voto bolsonarista, é um péssimo sinal para ele. Ciro Gomes também sai melhor do que Bolsonaro, 48% a 36%. O paradoxo se repete, Bolsonaro perde 5 pontos. Mesmo contra Dória, quando o governador fica um ponto acima do presidente, como vimos, Bolsonaro perde dois pontos em relação às intenções de voto no primeiro turno.

É um indício de que, quando forçados a comparar Bolsonaro com outras candidaturas, os entrevistados tendem a reavaliar sua escolha em Bolsonaro. Ela sai diferente da resposta dada olhando uma cartela cheia de nomes e, na qual, só dois deles são plenamente conhecidos, Bolsonaro e Lula. Não dá para tirar muito significado das simulações de segundo turno, mas elas podem ser uma pista de piora de Bolsonaro nas pesquisas futuras de intenções de voto.

Bolsonaro tem 45% de reprovação de desempenho e 54% de rejeição eleitoral. Não tem a confiança de 50% e só 14% confiam nele. Esses números, combinado às intenções espontâneas de voto e a outros marcadores, me levam a estimar que o tamanho real do apoio social a Bolsonaro está entre 15% e 20%.

E o centro, onde está o centro? Disperso, como é de sua natureza. Em disputas majoritárias, esse eleitor moderado e mediano fica à deriva, até que um dos polos em disputa exerça atração maior e capture seu voto. Esse processo tende a ocorrer ainda no primeiro turno. No segundo turno, é um movimento forçoso, a não ser que a rejeição aos dois mais votados no primeiro turno seja tão grande que o voto nem-nem opte por não escolher, aumentando a alienação eleitoral, o total de não-votos e de votos nulos e brancos.

Essa busca por um candidato de centro é mais uma quimera. Um desejo de setores que prefeririam não ter Lula ou Bolsonaro na Presidência. Espaço nas almas dos eleitores há. Até agora, nenhum possível candidato conseguiu se destacar a este ponto. Este cenário só terá uma probabilidade significativa no caso de uma liderança se consolidar a ponto de atrair esse voto para si, tornando-se competitiva e dando conteúdo ao centro.

Bolsonaro é um polo fixo na extrema-direita. Lula não é fixo. Ele é pragmático e se move de acordo com os humores da sociedade. Já fez campanhas mais à esquerda e campanhas mais ao centro. Pode ser capaz de atrair parte desse eleitor. Ele está se movendo para o centro e buscando ampliar o leque de apoios para isso. Se a pandemia for um fator decisivo, e a minha hipótese é que será, o epaço para Bolsonaro expandir seus votos tende a encurtar.

É possível, também, pensar na força de repulsão, que pode ser aproveitada por uma terceira candidatura ou levar à abstenção eleitoral. Uma parcela considerável desse voto gravitacional já esteve do lado de Lula e Dilma e, em 2018, passou para o lado de Bolsonaro formando a maioria que os elegeu. Lula e Bolsonaro frustraram as expectativas desse eleitor flutuante e ele aderiria a um outro nome que lhe aparecesse com credibilidade e chance de vitória.

A economia está despiorando, como escreveu Vinicius Torres Freire em sua coluna da Folha alguns dias atrás, usando uma expressão muito feliz para descrever o que realmente se passa. A despiora não melhora o que interessa mais diretamente à maioria, renda e emprego, e piora o que mais prejudica, a inflação. A tendência é de persistência do desemprego e perdas adicionais de renda real, por causa do aumento da inflação. Parte desse aumento, escapa ao controle do governo porque tem a ver com o mercado externo, parte é recomposição de perdas pelas empresas. Há, ainda, o repasse dos aumentos de custos impostos pelo governo ao mercado. O cidadão como consumidor e como contribuinte sempre paga a conta. O momento da urna é aquele em que esse cidadão consumidor/contribuinte se torna igualmente eleitor e pode manifestar seu desagrado. O alvo da vez é Bolsonaro.

Tudo é ainda muito especulativo. Os cenários ainda são nebulosos. Mas, o cenário eleitoral mais provável no momento aponta para a derrota de Bolsonaro. O problema é que ele convive, em coabitação contrariada, com o cenário de ruptura democrática cujo gatilho pode ser essa derrota.