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O jogo perigoso de Donald Trump

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No futebol, o jogo perigoso tem gradações de gravidade, mas sempre indica uma ação temerária, imprudente ou de alto risco para a integridade do outro. Não tenho dúvida de que o presidente Donald Trump usa e abusa do jogo perigoso nas decisões de política interna e externa. No caso mais recente — e escabroso — de separação forçada de pais e filhos detidos por imigração ilegal, Trump levou ao limite seu jogo perigoso, aproximou-se da agenda dos setores mais extremistas da sociedade, assumiu riscos muito altos de danos à integridade física e psicológica. Prender imigrantes como se fossem criminosos comuns, separá-los de suas crianças, detidas em gaiolas, é mais que uma afronta humanitária, é um ato de discriminação violento e supremacista. Mas não é necessariamente uma atitude derivada da adesão à ideologia dos neo-nazistas ou dos supremacistas brancos.

Trump decide por impulso, como ele mesmo tem reconhecido. Esses impulsos revelam, no caso, sentimentos de repulsa e desprezo pelos “não-americanos” que se aproximam perigosamente desses valores. A decisão impulsiva é, por definição, uma ação realizada com um grau inadequado de deliberação, previsão e autocontrole. Ela revela incapacidade de controle emocional e superestimação de sua competência e da qualidade dos julgamentos que faz. Em estudo clássico da psicologia, Justin Kruger e David Dunning explicam que as pessoas impulsivas não apenas chegam a conclusões erradas e fazem escolhas infelizes, mas não têm a capacidade cognitiva de reconhecer seus erros. São pessoas emburradas, com vocabulário pobre, agressivas e que superestimam suas habilidades e seu desempenho. A linguagem corporal de Trump, seus tuítes e suas reações às críticas na imprensa e a pessoas que o contrariam confirmam essa personalidade impulsiva do presidente. É, na minha opinião, uma explicação satisfatória para seu comportamento político, sempre de alto risco e com elevado teor de agressividade.

A rejeição extremada dos imigrantes, embora impulsiva, satisfez tanto as expectativas dos supremacistas brancos, que consideram os não-brancos inferiores moral e intelectualmente, mas também às dos ultranacionalistas que desejam uma nação exclusivamente para os americanos brancos. São todas manifestações de racismo, mas eles se julgam diferentes. No caso dos supremacistas, o âncora alt-right da Fox News, Brian Kilmeade, sintetizou esse sentimento de superioridade ao justificar a decisão de Trump. No Late Night Show com Steven Colbert, ele disse “goste-se ou não, essas não são nossas crianças, não é como se [Trump] estivesse fazendo isso com pessoas do Texas ou de Idaho”. Os supremacistas brancos começaram discriminando negros e judeus, mas hoje vêem com igual repulsa latinos, asiáticos e ‘muçulmanos’, isto é qualquer um oriundo dos países árabes.

O American Nazi Party explica no seu site que não é supremacista, mas separatista “nós acreditamos que a separação racial é o melhor para todos, brancos e não-brancos”. Eles gostam de resumir sua ideologia, com “14 palavras”, “nós precisamos garantir a existência de nosso povo e um futuro para crianças brancas”. Uma dissidência dos “nazi”, o Movimento Nacional-Socialista, diz que “toda imigração não-branca precisa ser evitada. Nós exigimos que se determine a todos os não-brancos residindo na America que deixem a nação imediatamente e retornem à sua terra de origem: pacificamente ou à força”

Esse é um dos perigos da política anti-imigrantes de Trump. Ela unifica a alt-right, os neonazistas e os grupos de ódio racial tradicionais, como a Klu Klux Klan. Esse nacionalismo extremado, como tem mostrado o politólogo Lawrence Rosenthal, da Universidade Berkeley, tem agora alguém no comando da Casa Branca que fala sua linguagem. A própria visão econômica de Trump, se assemelha muito à concepção de uma economia autárquica, da tradição da direita, inclusive da doutrina econômica original do fascismo e do nacional-socialismo (nazismo). O nacionalismo branco, ao contrário, do racismo genérico, busca uma nação branca homogênea. Na alt-right, as pessoas discordam de como chegar a esse objetivo, mas concordam que esse é o objetivo de longo prazo, explica o politólogo da Universidade do Alabama, George Hawley, autor do livro Making Sense of the Alt-Right (Entendendo a Alt-Right).

O perigo aumenta exponencialmente porque as atitudes de Trump têm apoio na maioria republicana que se ressente da decadência econômica de suas indústrias e de seus distritos tradicionais. A maioria das facções da extrema-direita americana defende a melhoria de condição dos trabalhadores blue-collar, os operários das manufaturas tradicionais, do setor metal-mecânico. Grande parte dessas correntes adota alguma forma de populismo econômico. Nas pesquisas recentes de popularidade presidencial, Trump tem desaprovação de 80% entre Democratas e de 65% entre Independentes. Mas, é aprovado por 85% dos Republicanos.

Nessa identificação dos eleitores Republicanos com Trump interfere outro clássico da psicologia social, a identificação emocional que suplanta a avaliação objetiva. É o mesmo tipo de sentimento que faz as pessoas apaixonadas por um time não admitirem a correção de um pênalti contra ele ou que alimenta a intolerância entre igrejas. Nesse caso, as pessoas são até capazes de reconhecer algo inadequado em seu time ou igreja, mas tendem a negar-lhe relevância.

Apoio emocional a uma personalidade tão controvertida tende a gerar oposição emocional em contrapartida. Numa sociedade polarizada, esse confronto emocional incendeia a radicalização. Trump assume o risco de dividir ainda mais profunda e radicalmente a sociedade de seu país, levando-a ao limiar da violência, com efeitos desestabilizadores sem precedentes pelo menos desde os anos de 1960.

Artigo publicado originalmente no Blog do Matheus Leitão no G1: https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/2018/06/24/o-jogo-perigoso-de-donald-trump.ghtml