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Dos atos de violência racial

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João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, negro. Mais um nome na lista interminável de homicídios por racismo. Racismo estrutural. Bolsonaro e Mourão jamais aprenderão sobre a sua existência. O racismo estrutural em países como o Brasil e os Estados Unidos vai além do racismo, entendido como manifestações localizadas de discriminação racial. Estrutural é o racismo enraizado nas relações sociais, delas indissociável, entranhado na cultura dominante da sociedade . Não aprenderão, porque são parte desta síndrome, que implica na negação da sua existência, no escamoteamento da discriminação presente no cotidiano da vida social, dos elevadores sociais, dos restaurantes de elite, onde não se encontra negros nas mesas, das escolas de elite sem negros matriculados. Nos shoppings, supermercados e lojas, os negros que são costumeiramente vistos com desconfiança e seguidos por seguranças na certeza de que furtarão algo.

Quantas vezes já vi — nas filas de compras em supermercados, nas filas de companhias aéreas, em restaurantes — consumidores brancos enraivecidos destratando e ofendendo quem os atendia por alguma falha sentida, grande ou pequena, real ou imaginária. Nunca vi serem agarrados pelos seguranças, arrastados para fora do estabelecimento ou espancados. Mas, basta procurar que encontramos numerosos vídeos de consumidores negros sofrendo todo tipo de violência, inclusive as fatais. Nunca deixam de ser arrastados e espancados. Sabemos de casos de açoitamento, como aconteceu com um adolescente, em supermercado da Zona Sul de São Paulo, em setembro do ano passado. Muitos são mortos, nessas e em outras situações, por serem negros. João Alberto não foi o único caso recente de morte por sufocamento vítima de seguranças de supermercados. Pedro Gonzaga, 19 anos, foi morto da mesma forma, em fevereiro do ano passado, no supermercado Extra, que pertence ao Grupo Pão de Açúcar, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Neste episódio, como no de João Alberto, testemunhas avisaram aos seguranças que a vítima estava ficando roxa. Não ouviram porque tinham a intenção de matar ou não se importavam com a possibilidade de levar a vítima a óbito.

Não são casos fortuitos ou isolados. Também não é por acaso que sempre encontram uma forma de transferir a culpa para a vítima: teria agredido algum funcionário, teria tentado tomar a arma do segurança, furtou alguma mercadoria de pequeno valor. Como no caso dos estupros, em que o agressor se diz sempre seduzido pela vítima. Nem se dão conta da desproporção absurda entre o ato de que acusam vítima e a reação violenta deles. Como se atos banais, caso verdadeiros, justificassem medidas extremas. As mortes de João Alberto, Pedro Gonzaga e tantos outros negros são casos de violência racial. De racismo estrutural. E não é possível esquecer que até hoje não sabemos quem mandou matar Marielle, vítima de violência racial e política, na suposta sociedade miscigenada e cordial. Um mito construído para escamotear a verdadeira natureza da sociedade brasileira.

Sempre haverá alguém a lembrar que não existe raça do ponto de vista biológico. E daí? Raça, no caso do racismo estrutural, é uma construção social, uma categoria sociológica, não biológica. Os negros são espécie humana, aliás, membros ancestrais dela, porque é a África o berço da humanidade. Como diz o biólogo Richard Dawkins, em seu livro, River out of Eden, a Eva Primeva, ou a Eva mitocondrial, era africana. A Eva Africana é a mais recente ancestral dos seres humanos, a ponta original da espécie Homo Sapiens. É prova, sim, da nossa igualdade como espécie, mas também, evidência de nosso racismo construído a partir da não aceitação dos descendentes da Eva Africana como iguais aos seres humanos de origem anglosaxônica ou europeia. Toda desigualdade é social. A diversidade é que pode se originar de diferenças físicas ou de aptidões.

Se não encararmos de frente este dado de nossa sociabilidade, jamais superaremos esta estrutura discriminatória que nega aos negros oportunidades iguais e presença em todas as dimensões da vida social compatível com sua participação na população humana do país.

Os defeitos de governança que permeiam nossa estrutura empresarial e levam a esses extremos de violência podem e devem ser corrigidos. Eliminá-los é parte do combate ao racismo estrutural. Mas, isto não se faz com doações a organização antirracistas ou propagandas com atores negros. São ações positivas que devem persistir. Mas não corrigem os defeitos intrínsecos da governança, o recrutamento discriminatório, o treinamento deficiente, a terceirização da violência. Aliás, um agravante desses atos de violência racial é a privatização da segurança, que transfere indevidamente a agentes privados o poder de usar a força física, quando esta deveria ser monopólio do Estado e recurso de última instância, a ser usado com máxima parcimônia e critério.

A nós brancos, não basta nos declararmos não racistas, é preciso que sejamos antirracistas e estejamos sempre prontos a denunciar os atos de racismo que testemunhamos e a examinar nossa conduta para ver se há nela impulsos racistas.