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A fonte dos males que nos afligem

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O Rio de Janeiro se tornou a fonte de todos os males. De longe, o caso mais escabroso e bem provado de corrupção na era Lula (PT) foi do governo Sérgio Cabral (PMDB). Saíram do Rio dois dos principais governantes incidentais do Brasil neste tempo de imprevistos, levados ao poder por eleições atípicas, Jair Bolsonaro (sem partido) e Wilson Witzel (PSC). Dos nove governadores eleitos no Rio de Janeiro, após a promulgação da Constituição de 1988, cinco estão envolvidos em processos de corrupção, quatro estão ou já estiveram presos. Dos nove, três eram vice-governadores, que assumiram o cargo por mais de seis meses consecutivos, Nilo Batista (PDT), vice de Leonel Brizola (PDT), Benedita da Silva (PT), vice de Anthony Garotinho (então PSB).

Nilo Batista, ao assumir o cargo, após renúncia de Brizola para se desincompatibilizar, acumulava a secretaria de Justiça e Segurança Pública. Durante sua gestão como secretário, promoveu sindicância na polícia para apurar a participação de policiais militares, detetives e funcionários da polícia civil envolvidos na chacina de Vigário Geral. Também conduziu investigação sobre sete grupos de extermínio, que levaram à prisão de 41 policiais, ao afastamento de 34, inclusive seu próprio assessor, delegado Elson Campelo. Assumiu o governo engolfado em crise política com a divulgação, pela imprensa, dos livros contábeis do banqueiro do jogo de bicho Castor de Andrade, que continha o nome de mais de cem políticos por terem recebido dinheiro como filantropia, propina ou financiamento de campanha. O nome de Nilo estava entre eles. Ele demonstrou que estava nos livros por ter intermediado doações, em 1990, antes da eleição dele e de Brizola para o governo do estado, para salvar da falência a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), ONG em que ele foi sócio-fundador e advogado. Deixou o governo isentado de qualquer denúncia formal e livre de suspeita pendente.

Benedita da Silva governou o estado por oito meses e o único problema que enfrentou foi a crise financeira do estado, de fato contratada ainda na gestão de Garotinho, antes que ele renunciasse para se desincompatibilizar. Rosinha Garotinho foi eleita pelo PSB e transferiu-se, durante o mandato, para o então PMDB. Fez uma administração controvertida, mas passou o mandato para seu sucessor, Sérgio Cabral (PMDB), a quem o casal Garotinho apoiou. As denúncias de corrupção aos Garotinho estão relacionadas à campanha de Anthony para o governo do estado em 2014 e à campanha e gestão de Rosinha na prefeitura de Campos. Perderam os direitos políticos por crimes eleitorais e continuam réus em processos de corrupção.

Sérgio Cabral e Pezão foram acusados no escândalo da Lava Jato. Cabral está preso e condenado em vários processos a centenas de anos de prisão. Pezão foi preso e, posteriormente, transferido para prisão domiciliar. Até hoje usa tornozeleira eletrônica e não tem liberdade de ir e vir. A chapa Pezão/Dornelles chegou a ser cassada pelo TRE do Rio de Janeiro, mas a cassação foi anulada pelo TSE. Witzel recebeu o cargo de Francisco Dornelles, vice-governador no exercício do governo com a prisão de Pezão.

É uma história melancólica de decadência e degeneração social e política, em um estado que tem por capital a antiga capital federal. O Rio, capital do país antes da transferência em 1960, até o governo Chagas Freitas, foi marcado por ondas históricas de populismo, do lacerdismo (de Carlos Lacerda) ao chaguismo (de Chagas Freitas) e, já após o regime militar, ao brizolismo. Brizola e Benedita da Silva, foram sucedidos por Marcelo Alencar, que ficou na fronteira entre o populismo e a decadência. Seu sucessor foi Anthony Garotinho e com ele começou a trajetória de decadência.

Foi no terreno apodrecido da política carioca e fluminense que o clã Bolsonaro prosperou, encartado no nicho corporativo da segurança e com mandatos marcados por controvertidas relações com as milícias. São vários os fios a ligá-los, na Assembleia Legislativa, condecorações a milicianos, an Câmara dos Deputados. Os Bolsonaro estão envolvidos em processos sobre rachadinhas, a partilha para benefício pessoal de salários transferidos por funcionários-fantasma e funcionários-laranja.

Wilson Witzel, um juiz desconhecido, cabeça de uma chapa inglória, foi eleito em repentina ascensão na reta final da campanha. Catapultado pela oportunista identificação com os Bolsonaro, finalmente convertida em apoio efetivo e público do clã, chegou ao Palácio Guanabara. Governante incidental, manifestou publicamente a ambição, construída no vazio e mal instalado no governo, de disputar a Presidência, em 2022. Com o anúncio veio o rompimento com o clã dos Bolsonaro. Pouco depois vieram as acusações de corrupção.

O afastamento de Witzel, determinado em decisão monocrática pelo ministro Benedito Gonçalves do STJ, tomada no último dia 18 de agosto e executada nesta 6a (28/8), deixou muitas dúvidas no ar. A cobertura jurídica do ato é tênue e passível de discussão. Cria um precedente perigoso com o afastamento do cargo de um mandatário eleito, por decisão meramente cautelar, sem audiência do colegiado. A justificativa legal, mediante a combinação dos artigos 319/VI e 282/6o do Código de Processo Penal, pode ser contestada por sua latitude interpretativa. Só a gravidade dos indícios sacramentaria a legitimidade da decisão. O sigilo das investigações ainda não permitiu, porém, que se verificasse a firmeza dos indícios e provas constantes da denúncia. Não há, ainda, processo instaurado no STJ contra Witzel.

O governador afastado invocou a politização da operação, segundo ele comandada pela subprocuradora-geral da República, Lindora Araújo, que teria relação de amizade com o senador Flávio Bolsonaro. Este, não por acaso, foi o principal apoio a Witzel na eleição, enquanto fazia campanha vitoriosa para o Senado. Hoje são desafetos. A proximidade entre Jair Bolsonaro e Augusto Aras é evidente em recorrentes decisões e atitudes do Procurador Geral da República. Bolsonaro introduziu Aras na PGR pela porta dos fundos. Na porta da frente apresentavam-se três candidatos eleitos para a lista tríplice, que não é obrigatória, mas é muito recomendável. Atua na fronteira entre a PGR e a Advocacia Geral da União, favorecendo Bolsonaro, em busca da nomeação para ministro do STF em uma das duas vagas que se abrirão em breve. Witzel já havia atribuído a primeira ordem de busca e apreensão contra ele ao uso por Bolsonaro da Polícia Federal para persegui-lo. Jair Bolsonaro já acusou Witzel, várias vezes, de perseguir seus filhos usando a Polícia Civil e o MP estadual. Ambos podem ter razão, o que só agrava o triste quadro da política no Rio e em Brasília.

A situação de Witzel parece terminal. O ministro Alexandre de Morais derrubou decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, que havia sustado o processo de impeachment do governador. A razão da interrupção foi a formação irregular da comissão que recomendou o impedimento ao plenário da Assembleia Legislativa. Deste modo, o processo será retomado e até as pedras do calçadão em frente ao Palácio Tiradentes já ouviram que se formou maioria contra o governador. Tudo se complica porque o vice-governador, Cláudio Castro (PSC), e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano (PT), estão sob investigação. Caso governador e seu vice sejam afastados, caberá ao presidente da ALERJ assumir o governo interinamente e convocar eleições em 90 dias. Na sua falta, assumiria esta atribuição o presidente do Tribunal de Justiça do estado, desembargador Claudio de Mello Tavares.

Witzel e Bolsonaro foram eleitos como antagonistas da velha política. Mas, ambos têm ligações com o que há de mais velho. Um dos elos que mantêm em comum com figuras do lodaçal fluminense é o pastor Everaldo, padrinho político de Witzel, como presidente do PSC, que fez o batismo de Bolsonaro, como pastor e, como político e evangélico, o ajudou em seu projeto presidencial. Os dois, presidente e governador, fundaram suas trajetórias nas lamas históricas do Rio, hoje uma das principais fontes dos males que afligem a política brasileira.

Enquanto elege figuras controversas local e nacionalmente, o Rio é palco da guerra permanente entre quadrilhas que controlam suas comunidades mais carentes. Não raro, os bandos se enfrentam também com milícias saídas das costelas das polícias do estado. A polícia mata sob o comando do governador, mas suas vítimas principais são as testemunhas inocentes do desgoverno e jovens negros, seus alvos preferenciais. Os bandidos também matam mais inocentes moradores, que vivem o desassossego interminável da expectativa do próximo tiroteio e suas vítimas.