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O isolamento como prisão domiciliar ou a roleta da morte

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Começo pelo disclaimer: sou a favor do isolamento social. É a única defesa que temos contra a Covid-19. Não temos defesa é para as sandices impunes de Jair Bolsonaro. O título desta nota tem outro sentido, que explicarei em seguida.

Os países de boa governança nos passam a única receita eficaz para enfrentar a pandemia do Sars-Cov-2. Isolamento social desde a primeira hora, se possível tratamento ambulatorial para todos os sintomáticos, reduzindo a necessidade de internação em UTI. O objetivo é salvar vidas e “achatar” a curva de infectados e mortos o mais rápido possível. Desta forma, é possível retomar as atividades econômicas e sociais de forma sustentada e segura. ‘Achatar’ é um termo inadequado. O objetivo é diminuir a altura do ‘pico mas, principalmente, buscar a queda para zero dos casos e mortes o mais rapidamente possível. É o que aparece nas curvas dos países bem sucedidos no enfrentamento da pandemia.

Países com maus governos, como os Estados Unidos e o Brasil não seguiram esta receita. Neles, houve mais mortes e a epidemia se prolonga, agora como fenômeno local, não global. A má governança não é uma tendência global, é um desvio local de percurso. São poucos os países governados por pessoas com evidente anomalia comportamental, destituídas de empatia e de qualquer sentimento para com o outro. Personalidades narcísicas, autoritárias e impulsivas. Entre eles destacam-se, novamente, Estados Unidos e Brasil. É assustador ver as demonstrações repetidas de insensibilidade, arrogância e desprezo pelo outro de Trump e Bolsonaro.

Tão logo obtivemos a primeira informação de que a melhor defesa contra o vírus era o isolamento, decidimos nos isolar inteiramente. Adotamos o confinamento rigoroso. Um de nossos filhos, solidário, decidiu mudar-se para nossa casa e compartilhar o isolamento conosco. Minimizou o grau de solidão da presença do outro. Nos emocionou com sua carinhosa simpatia. Os outros dois filhos, distantes em outra cidade, ficaram felizes e confortados com sua decisão de estar conosco. Isto foi há 130 dias.

Tomamos várias providências para tornar a convivência mais amena. Criamos espaços privados para cada um, pois a convivência forçada todas as horas do dia, por muitos dias, pode provocar atritos originados de descompassos de humor, ou um sentimento de ausência absoluta de privacidade. Temos os espaços sociais de convivência. Criamos rotinas e mudanças periódicas de rotinas. Inauguramos uma happy hour nas sextas, um almoço diferente nos sábados. Desenvolvemos várias estratégias para amenizar o isolamento, que não considerávamos forçado. Foi voluntário e justificado pela crescente evidência de que era o caminho certo. Nos angustiamos com amigos internados em estado variado de gravidade. sem poder visitar as famílias, ela também impossibilitadas de estar com eles. Lemos, escrevemos, trabalhamos, visitamos filhos e netos remotamente. Fizemos encontros para drinques na ciberesfera.

Até que caiu a ficha. O isolamento havia deixado de ser voluntário e se prolongava forçosamente porque assim o decidiram Bolsonaro, o governador e o prefeito, todos irresponsáveis, insensíveis e vulneráveis a pressões. Ou pior, como no caso de Bolsonaro, por convicção de que o caminho era deixar as pessoas adoecerem e morrerem, até que a doença passasse. Podem chegar a centenas de milhares de mortos e a doença se hospedar entre nós por um, dois, sabe-se lá quantos anos. Tudo porque o homem que ocupa a Presidência da República quer assim. Neste momento, o isolamento se tornou uma prisão. Ela foi autocraticamente decretad, junto com uma roleta mortal que matará milhares de brasileiros. Os óbitos passarão em breve da centena de milhar. Uma razão adicional para considerar que este governo perdeu a legitimidade. Estamos condenados à prisão domiciliar, bem mais incômoda que aquela em que se encontram o senhor Fabrício Queiróz e a senhora Márcia Aguiar. A dele é um privilégio, concedido por um juiz sem escrúpulo, que beneficiou o casal, mesmo com a senhora Aguiar foragida. O magitrado negou o mesmo benefício aos demais prisioneiros em situação de risco.

No caso de Queiróz, sua excelência João Otávio Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), salvou e à mulher da roleta da morte. Quando ela roda, atinge mais os presos. No meu caso, o autocrata de Brasília e os títeres do Rio de Janeiro determinaram que fico em prisão domiciliar, ou saio e me exponho às rodadas da roleta da morte. Foram Bolsonaro, Witzel e Crivella que transformaram meu isolamento em férrea prisão domiciliar.