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Políticas tradicionais não induzem inovação

O programa mobilidade verde e inovação do governo, tem quase nada de verde e menos ainda de inovação. Em lugar de incentivar apenas veículos elétricos e combustíveis verdes, em particular a pesquisa e desenvolvimento em hidrogênio verde, abre uma avenida para as linhas tradicionais das montadoras, com a superada meta de aumentar a eficiência de motores a combustão. Essa era medida que fazia algum sentido uma década e meia atrás.

Em alguns aspectos, o programa lembra velhas práticas de políticas industriais, algumas remontando à política de substituição de importações da época da ditadura, como o Befiex. Até nessa ideia de aperfeiçoar o que já é velho. Estudei a política industrial da ditadura para minha tese de doutorado e vejo alguns similares em certas partes da visão de desenvolvimento do presidente Lula e de grande parte do PT. É uma perspectiva historicamente superada.

Não existe uma forma de metamorfosear velhas estruturas e práticas industriais em novas modalidades de baixo carbono. Não dá para ter siderurgia verde, como não é possível fazer do motor a combustão movido a combustível fóssil um motor verde. Os governos do PT têm admiração pelo motor “flex”, suposta inovação de montadoras estrangeiras instaladas no país. Mas é mais uma gambiarra do que uma inovação real. É um motor a gasolina recalibrado para operar a álcool, com mudança na taxa de compressão, para ser minimamente adequada à taxa de combustão mais baixa do etanol e ainda compatível com a da gasolina. Esta taxa de compressão média determina menor eficiência do etanol, de 30% em média em relação à gasolina. Esta desvantagem tem como consequência a indexação, na prática, do preço do etanol ao da gasolina.

O modelo do motor flex parece ser o quadro de referência dessa ideia de que é possível estimular a transição de indústrias fósseis para verdes. Esta possibilidade não existe em grande número de indústrias. São modelos industriais a serem abandonados na passagem para a economia de baixo carbono. Isto vale para os combustíveis fósseis, para os motores a combustão, para vários tipos de materiais e fibras.

O Brasil teve a oportunidade de entrar no mercado de veículos elétricos quando as barreiras à entrada eram muito baixas. Tínhamos a tecnologia, desenvolvida em centros de pesquisa universitários, em alguns casos já no estágio de protótipos. Era necessário um programa de incentivos para apoiar startups nacionais. O momento se deu na passagem do segundo governo Lula, para o primeiro governo Dilma Rousseff. O lobby das montadoras e a fixação no motor flex vetaram o apoio à produção de veículos elétricos. Na década que perdemos, encantados com a gambiarra flex e nossa suposta vocação para potência em combustível verde, a China e a Índia entraram no mercado para valer. Esta semana a BYD chinesa superou a Tesla do famigerado Elon Musk na produção de carros elétricos.

A ideia, agora, é taxar os carros elétricos importados, para incentivar não se sabe bem o quê. Convencer as montadoras a montar veículos elétricos no Brasil, não precisa de política pública, nem subsídio. As mais ágeis já têm planos para tanto, motivadas pelo crescimento da demanda. Fechar o mercado não internaliza produção. Deixar crescer o mercado, com a economia aberta, sim, encoraja a instalação de plantas domésticas.

O Brasil pode se tornar uma potência no mercado de hidrogênio verde, que deverá crescer nos próximos anos. Ainda está no âmbito da pesquisa e desenvolvimento, portanto, as barreiras à entrada são baixas. Não há, ainda, competidores em grande vantagem no mercado. O Brasil tem capacidade tecnológica e vantagens comparativas para entrar. Tem grande potencial para gerar energia solar e eólica, ainda não experimentou todo o potencial de plantas integradas solar fotovoltaica/eólica. Tem, portanto, maior capacidade relativa de dedicar usinas de energia verde à produção de hidrogênio.

Tem-se falado muito disso no governo, mas sem ações concretas para induzir a aceleração de nossa entrada neste campo muito promissor. Há outras áreas nessas condições. Com o dinheiro que se pretende gastar na absurdamente velha e perigosa ideia de produzir petróleo no mar da Amazônia, daria para criar um programa relevante de verdade de inovação verde e reindustrialização sustentável do país. 

Não dá para fazer inovação com velhas ideias. Para se ter uma boa política de inovação é preciso pensar novo, diferente e abandonar os interesses investidos em velhas estruturas e práticas.