O presidente Michel Temer usa o governo e seus recursos para resistir às pressões para que deixe o governo. Agora, adicionou o ministério da Justiça ao arsenal. O novo ministro, Torquato Jardim, embora cauteloso nas declarações, não consegue desfazer a impressão suspeitosa de que se tornará instrumento da defesa de Temer e de constrangimento às autoridades de investigação e fiscalização. Em particular, cresce o risco de intervenção na Polícia Federal, o que teria como efeito imediato mais conflito, suscitado pela reação, compreensível, do próprio quadro da PF.
O presidente Temer é um homem maduro, no topo de uma longa carreira política. Mas resolveu considerar-se ingênuo por ter aceito a conversa. Se um opositor lhe dissesse isso, poderia tomar como ofensa ou desprestígio. Agora, o ministro da Justiça diz que, como parlamentar, adquiriu hábitos informais. Mas o presidente é, notoriamente, um homem formal. Sua postura, seu linguajar, suas mesóclises, o meio sorriso contido, suas atitudes e preferências ultrapassadas, tudo mostra formalidade. Agora sabemos que só é informal nos encontros por subterfúgio na residência oficial. Talvez o ministro conheça tão bem o português, que tenha escolhido o substantivo por causa de sua ambivalência. Ele pode indicar uma pessoa que não segue regras rígidas de etiqueta ou protocolo. Mas, pode, também, referir-se a um ato ou fato que não tem uma situação legal regular. De fato, aquele encontro, além de irregular, nada teve de protocolar.
Temer está transformando o Palácio do Planalto em um bunker de resistência. Prefere manter-se em uma presidência agônica, a contribuir para abreviar a crise, buscando a saída mais honrosa possível nas circunstâncias. A decisão do PSDB de manter o apoio ativo a seu governo, dele participando, a pretexto de apoiar as reformas, além de oportunista, não restaura a densidade política perdida do presidente. Qualquer partido pode apoiar as reformas sem fazer parte do governo. As reformas estão no Congresso, portanto, é lá que se deveria realizar o esforço político por sua aprovação. Mesmo que Temer deixe a presidência, se a maioria do Congresso desejar, as reformas podem ser aprovadas. Essa pauta já foi transferida para a decisão parlamentar.
O judiciário tem dado, felizmente, sinais de que não está disposto a ceder aos desejos do presidente investigado por atos graves e impróprios. A decisão do ministro Edson Fachin de recusar o pedido de seus advogados para que só se pronunciasse após a perícia técnica da fita onde está gravada uma conversa que ele não podia ter dito, com um interlocutor que não podia ter recebido na residência oficial, na calada da noite, em segredo, é um deles.
A perícia da fita é, hoje, mera formalidade legal. A fita em si tem importância menor. As reações do presidente à revelação da conversa indecorosa com Joesley Batista, a pretexto de explicar e justificar seu comportamento, confirmaram o encontro e o teor da conversa. Ele explicou, em dois pronunciamentos, qual teria sido o significado daqueles diálogos. Ao fazê-lo, validou o teor da gravação. As explicações do presidente, referindo-se, ipsis literis, aos vocábulos e frases transcritos e atribuindo-lhes significado muito pessoal são evidência bastante. Somadas às confissões de Batista tornam irrefutáveis a ocorrência do fato e o teor da conversa. Ambos constituem graves irregularidades. Novamente, o ministro da Justiça vem em seu socorro e diz que o inconveniente do encontro é que foi uma “quebra de segurança”. Foi mais que isto, foi quebra de decoro e acerto para obstruir a justiça.
Temer é, como tenho insistido, refém do Congresso. Já não reúne os atributos políticos requeridos à boa governança. Não tem condições objetivas ou morais para liderar o país nessa delicada travessia até 2018. Perdeu as condições de governabilidade. Hoje precisa da coalizão governista, não para aprovar as reformas, mas para mantê-lo no cargo. Usa os suspiros débeis da economia como trunfo, em pronunciamentos gravados para ninguém. As reformas transformaram-se em tábua de salvação, não para a saúde fiscal do país, mas para a sobrevivência política de um presidente incidental, que não soube aproveitar, com espírito público, a oportunidade histórica que teve.