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O presidente-refém

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Temer escolheu uma via que o deixa refém do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Preferiu ficar na defensiva e entrar na disputa de narrativas, tentando desqualificar o delator e o pedido de inquérito do Ministério Público. Ao optar por esse caminho, aceitou bater de frente com os fatos concretos que, muito mais que a narrativa, são compremetedores. Reunião na residência oficial, na calada da noite, sem registro e identificação do visitante, um empresário investigado por gravíssimos crimes de corrupção. Não há desculpa para um encontro tão indecoroso para um presidente da República.

Uma conversa na qual o empresário revela crimes graves e o presidente não relata ao ministro da Justiça, para que ele notifique à Polícia Federal para abrir investigação. O cidadão privado não é obrigado a relatar crime do qual teve conhecimento. É escolha moral. Já a autoridade pública tem o dever e a obrigação de relatar os crimes à instância competente, no caso, a Polícia Federal e o Ministério Público. O presidente, ao buscar a desqualificação do delator e da gravação acaba reconhecendo os fatos concretos que o comprometem. Tudo isso já sabemos e já analisei aqui, inclusive mostrando que não há saída boa. Mas essa atitude do presidente criou uma dinâmica política que tende a prolatar e agravar a crise.

Um presidente da defensiva, no presidencialismo de coalizão, é um presidente que enfrenta a dispersão dos aliados e se torna refém da sua base. Precisará dela para sobreviver no cargo. Ele tinha, como escrevi anteriormente, uma coalizão de alta eficácia e baixo custo e, hoje, depois o escândalo, ele tem uma coalizão de baixa eficácia e alto custo. Terá que fazer numerosas concessões para garantir que nenhum pedido de impeachment seja aceito e a Câmara não dê autorização para que seja procesado pelo Supremo Tribunal.

A agenda de reformas só tem alguma chance se uma coalizão majoritária de parlamentares assumi-la como compromisso parlamentar. Não parece plausível ou provável, embora algumas lideranças estejam apostando nisso. Se depender da liderança do presidente nada passa. Ele já não a tem mais. Ele teve que recuar do pedido ao Supremo Tribunal Federal para suspender o inquérito instaurado contra ele, porque o pedido seria muito provavelmente negado pelo plenário e uma derrota no STF poderia provocar a debandada de sua coalizão, ou seja, ele perderia sua base de apoio político.

Temer vivia uma situação paradoxal à luz da minha hipótese sobre os ciclos do presidencialismo de coalizão. Um presidente impopular tende a gerar um movimento de fuga, de dispersão dos aliados. Mas Temer era impopular e tinha uma coalizão coesa. Representava, como dizem os politólogos Carlos Pereira e Marcus André Mello, o deputado mediano do partido mediano, o PMDB. Era da casa e de casa no Congresso. Essa intimidade, que lhe valeu por três vezes a presidência a Câmara dos Deputados, avice-presidência e a presidência da República. Agora, o jogo virou, ele se tornou refém da coalizão, não mais seu legítimo representante no poder executivo. Um presidente sem apoio social e com apoio político prestes a desaparecer é fonte de crise permanente. Nós já vimos esse filme. O presidente sitiado no palácio, na defensiva, paralisa o processo político e contribui para paralisar a economia. Em outras palavras, passa a ser ele mesmo um fator de agravamento da crise político-econômica.