O mundo transita veloz para outros modos. A revolução digital, científica e tecnológica, entrelaçada com a globalização, vai superando os modelos econômicos, políticos e sociais. Muda comportamentos, valores e oportunidades. A política responde aos impulsos pouco inspiradores das incertezas e dos medos das pessoas. Polariza-se, radicaliza-se, abre-se a forças reacionárias, que sonham com passados idealizados e irreais.
Olhando-se a política da perspectiva da sociedade ela parece não se mover, ou andar em câmera muito lenta. Ela é analógica, a sociedade é digital. Os impasses estão quase todos na política. Na sociedade, experimenta-se em busca de novos modos. Nesse momento em que o mundo conhecido desmorona e os novos mundos não são ainda identificáveis no turbilhão de novidades experimentais, predominam os comportamentos defensivos, reativos e agressivos.
Lembro da época de estudante na Universidade de Brasília. Costumávamos nos reunir, às escondidas da polícia, na construção do que seria o Instituto Central de Ciências, conhecido depois como “Minhocão”. Havia apenas o piso de cimento e as pilastras de concreto. Chamávamos o local de “Grécia”, porque lembrava as ruínas gregas. O novo em construção podia ser confundido com os escombros do passado.
Nesse ambiente, os políticos agarram-se ao poder como cracas grudam-se ao cais. O mundo todo se oligarquizou. Os canais para ascensão de novas lideranças estão fechados. Onde não há circulação de lideranças, há conflito, paralisia. Não há inovação. Basta uma breve mirada mundo afora.
Imaginar que Donald Trump seja uma nova liderança política é tomar a ruína pela construção. O inverso do que fazíamos no “Minhocão”. Trump é neófito no ramo da política, mas suas ideias e atitudes são anciãs. O partido Democrata tem muitas estrelas ascendentes, mas nenhuma destacou-se como a aposta da vez para derrotá-lo.
Theresa May agarra-se ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido, embora tenha perdido toda autoridade e atolado o país nas dúvidas sobre a Brexit. Do lado Trabalhista, James Corbyn atraca-se ao comando do Partido Trabalhista, embora esteja claro que não tem a visão necessária para renovar a esquerda democrática. Vacila em relação à Brexit, porque é a favor de deixar a União Europeia. Mas a maioria dos trabalhistas quer ficar. Corbyn nem tem liderança para convencer a maioria do seu ponto de vista, nem o espírito aberto para representar o desejo majoritário.
Na Alemanha, Merkel vive os últimos momentos de longa e razoavelmente bem sucedida estadia no topo do poder governamental, sem deixar herdeiro natural. Não há líderes a despontar com credibilidade em nenhum dos grandes partidos tradicionais.
Na França, Emmanuel Macron teve vitória fulgurante, renovou quase toda a Assemblée Nationale e empacou em suas próprias contradições. Hoje está sitiado pelos gilets jaunes, os coletes amarelos. Incapaz de negociar saídas para o confronto que se tornou crônico. Na oposição ninguém se destaca.
Portugal vive aflita o fim da geringonça, a aliança de esquerda que funcionou. A Espanha caminha para eleições sem sinais de que elas resolverão o impasse político em que se encontra há anos. As novas lideranças de esquerda e centro-direita que nasceram nas manifestações de rua, não convenceram no jogo parlamentar. A Itália, desde as mãos limpas, não encontra caminho para formação de lideranças políticas democráticas.
Na China, se houvesse concorrentes viáveis à presidência no Partido Comunista, Xi Jinping não teria, talvez, aprovado a mudança que lhe permite perpetuar-se no poder. Na Rússia, Putin não tem rivais e os que aparecem, são por ele eliminados. Argentina, Chile, Brasil e México vivem a mesma a escassez de talentos políticos capazes de promover renovação, inovação e sintonia entre seus países e a contemporaneidade.
A Inglaterra isola-se do continente e debate-se em dúvidas sem sentido. Sair da União Europeia apenas lhe assegura uma solidão muito diferente e mais danosa do que aquela que viveu nos seus tempos de império. Ela é parte da crise da UE. Mas, a maior contribuição para os problemas da Europa está na incapacidade de oferecer soluções novas por parte dos governantes das duas potências dominantes da federação Alemanha e França. Elas andam se desentendo, reavivando as desconfianças históricas que já as separaram. França e Itália protagonizaram recentemente o maior confronto diplomático desde o final da Segunda Guerra. As esquerdas democráticas estioladas, prisioneiras de ideias e propósitos superados historicamente, têm enorme responsabilidade no fortalecimento das direitas irresponsáveis.
São assim mesmo as grandes transições. As mudanças tectônicas se manifestam primeiro como crises, gerando angústia, perplexidade e medo. Sentimentos antagônicos à boa política. A democracia está em risco e precisa ser socorrida com urgência. O caminho é a rebelião democrática. Não só contra a onda de governantes autocráticos, contra o avanço insidioso das mentalidades autoritárias sobre o poder. Mas, principalmente, em casa, nos partidos e movimentos democráticos. Rebelião das esquerdas democráticas contra as oligarquias que impedem a renovação do seu pensamento. Revolta das direitas democráticas contra os extremistas que tomaram de assalto o campo do liberalismo e do conservadorismo.
O mundo está cheio de sereias agônicas enfeitiçando eleitores e cidadãos, levando-os para águas das quais não há retorno. Rumam para o naufrágio coletivo. As sereias encantam porque do outro lado há apenas o silêncio do passado e da teimosa adesão a ideias fracassadas.
Publicado originalmente no Blog do Matheus Leitão/G1