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A política do amor e da vida

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Fiquei aguardando o discurso de Gustavo Petro após sua vitória no segundo turno para a presidência, sintonizado na TV colombiana. Esperava um discurso típico da esquerda latina. Mas Petro fez um discurso na linha do que Gabriel Boric falou por ocasião de sua vitória. Ambos defenderam o diálogo e o entendimento nacional. Mas Petro foi mais além, abandonando o discurso tipicamente político, para fazer uma preleção sobre seu objetivo mais importante, a paz e o desarmamento dos espíritos. Petro disse que com ele e Francia Márquez venceu a política do amor e da vida. Duas palavras que não visitam os discursos políticos habituais.

Por que a “política do amor”? Porque é o contrário da política do ódio que se tem praticado. Petro quer pacificar a Colômbia, desarmá-la, convencer a todos a abandonar o discurso do ódio. Sua vice-presidente, Francia Márquez, aplaudia ao seu lado e balançava a cabeça em concordância.

Petro foi da guerrilha urbana. Foi preso, em 1980; preso e torturado entre 1985 e 1987, por porte ilegal de armas e conspiração. Foi militante do M-19, o Movimiento 19 de abril, grupo que atuou na guerrilha urbana entre 1974 e 1990. Neste último ano, o M-19 se transformou no partido político Alianza Democrática M-19, elegendo a segunda maior bancada da Assembleia Constituinte de 1991. Petro não é novo da política, mas vem da periferia do sistema partidário tradicional. Foi prefeito eleito de Bogotá, senador e disputou a presidência duas vezes antes de ser eleito neste ano de 2022. Sua vice, Francia Márquez, é nova na política partidário-eleitoral. Era ativista nos movimentos comunitários. Tem origem autenticamente popular. Saiu direto do movimento ambientalista, feminista e antirracista para a vice-presidência.

Era de se esperar de lideranças com esta história um discurso revanchista e radical. Ao contrário, defenderam a paz e o desarmamento, o entendimento nacional, o pluralismo na política. Petro apresentou-se como um dirigente aberto ao diálogo com todos.

O que significa a política do amor e da vida para Petro e Francia? Significa desarmar os colombianos, estabelecer a paz e pôr fim à guerra civil. Retirar as armas em mãos de civis de circulação. A paz viria de um grande acordo nacional, um consenso social, que deverá ser construído tanto no diálogo entre as oposições e o governo nacional, como em cada uma das regiões. O consenso a que as regiões chegarem, disse Petro, será vinculante, virará norma. É preciso respeitar as especifidades regionais, afirmou.

Significa dizer, que Petro aceitará acordos que serão fechados em regiões que votaram majoritariamente em seu concorrente, Rodolfo Hernández, como Santander, sua região natal, onde obteve 76% dos votos.

Não é tarefa fácil. A Colômbia tem muitos problemas sociais e econômicos. Petro tem apenas 17% das cadeiras no Legislativo. Terá que formar uma coalizão majoritária de governo que lhe dê condições de governabilidade.

Talvez seja utópico prometer no dia mesmo da vitória uma política de paz, justiça social e justiça ambiental. Para realizá-la, precisará mesmo de um grande acordo nacional, que lhe permita aprovar medidas que levem à paz e ao desarmamento; políticas redistributivas para erradicar a fome e a miséria, e reduzir as desigualdades; uma política ambiental que ponha a Colômbia na vanguarda da luta contra a mudança climática e de abandono progressivo, porém rápido, dos combustíveis fósseis; restrições que eliminem os agrotóxicos. Um dos cartazes que seus apoiadores mostravam dizia que no governo Petro não se usará mais glifosatos.

Não é um programa de governo, entendido como um conjunto de propostas concretas de políticas públicas. É uma diretriz geral para orientar a formulação de todas as políticas do governo. Os valores que nortearão as políticas de Petro na presidência, a partir de agosto, são muito ambiciosos.

Mas, sem sonhar, com os olhos postos no horizonte de mais longo prazo, com realismo nas escolhas e decisões, não se promove a ruptura com o statu quo. Petro quer a Colômbia apta a desenvolver-se no século 21, de acordo com as mudanças que desenham o presente e desenharão o futuro global.

Nem Boric, nem Petro devem ser considerados populistas de esquerda. Eles não vieram da esquerda tradicional, nem do establishment partidário oligarquizado. Vieram da periferia do sistema partidário e de poder político. O discurso de ambos não repete as ideias da esquerda tradicional. Eles querem ser uma nova esquerda latino-americana. Boric já começou a enfrentar dificuldades tanto criadas pelo establishment, quanto por setores que o apoiaram. Não deve ser diferente na Colômbia de Petro.

Não se rompe com o statu quo, não se dá um novo rumo para o país, sem enfrentar reações adversas e dificuldades. A travessia é penosa e arriscada. Sem tentar avançar não se consegue mudar nada.