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A irresponsabilidade climática do Brasil

O setor elétrico brasileiro é obsoleto e a mentalidade da maioria dos que o controlam é arcaica. O sistema é velho e incompatível com a transição energética. Dificulta a energia distribuída e a descentralização energética. O lobby de hidrelétricas e termelétricas é dominante e ajuda a espalhar restrições às energias solar/fotovoltaica e eólica.

Interrompe a transmissão dessa energia limpa, quando há sobrecarga do sistema desatualizado. Preferem manter as hidrelétricas e as termelétricas, estas últimas muito mais caras, prejudicando a população com o custo elevado da energia. Dizem que são essas energias novas que prejudicam a produção de hidrogênio verde, quando são elas que asseguram o “verde” do hidrogênio.

Além disso, há o lobby petrolífero comandado pela todo-poderosa Petrobras, que pretende ampliar o uso do petróleo, mesmo sabendo que o compromisso assumido pelo Brasil em Dubai, na COP 28, em 2023. O compromisso ratificado por 200 países, entre os quais o Brasil, foi promover “a transição para a eliminação dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, a fim de alcançar a neutralidade de carbono até 2050, em conformidade com a ciência”. O compromisso implica triplicar a capacidade em energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030.

Este compromisso que é do Brasil, e segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tratados internacionais ratificados pelo Brasil, têm força de lei no país, estando apenas abaixo da Constituição, condena tanto o viés térmico do setor elétrico, quanto a pressão pró-aumento do petróleo da Petrobras. Mas não contraria a Constituição que, no seu artigo 225, que determina “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

O presidente Lula defende repetidamente a abertura da margem equatorial, a costa marítima da Amazônia à exploração de petróleo.Todos os presidentes brasileiros, após a redemocratização, defenderam os interesses da Petrobras e buscaram a expansão da exploração e uso de petróleo. A exploração do pré-sal fazia um pouco mais de sentido, do que esta nova frente na Amazônia.

Não falarei do governo Bolsonaro, porque foi um escárnio, no que nos interessa aqui, negava a mudança climática e imitava Trump que desde seu primeiro mandato repetia “drill baby drill”, referindo-se a furar mais poços de petróleo em território americano. Trocou quatro vezes a presidência da Petrobras porque insistia em subsidiar os combustíveis fósseis.

Ao defender o petróleo no mar da Amazônia, Lula disse que “ninguém nesse país tem mais responsabilidade climática do que eu”, no caso, ele. Se fosse verdade, estaria buscando cumprir o que foi acordado na COP 28, já sob sua gestão e o que manda a Constituição.

Desde o governo Dilma Rousseff os veículos elétricos foram desencorajados, para promover o ineficiente motor a combustão flex. O Brasil poderia estar produzindo seus próprios veículos elétricos, nós tínhamos o domínio da tecnologia, especialmente de ônibus urbanos, mas quem lidera esse mercado é a China e a Índia cresce rapidamente nele. Ainda há tempo, mas as barreiras à entrada sobem rapidamente.

Some-se o aumento da produção de petróleo à construção de mais termelétricas e ao uso desnecessário das já existentes, às dificuldades para expansão das energias eólicas e solar e do verdadeiro hidrogênio verde à lentidão da eletrificação dos transportes e qual o resultado? Um país que tem uma política climática irresponsável e antagônica aos compromissos que assumiu na Convenção do Clima. Não está investindo na transição energética, está fingindo que investe. Financia alguns projetos de energia limpa, porém expande a energia fóssil, que já é dominante nos transportes e pode crescer na geração elétrica.

Faz o contrário do que se faz nos países europeus que têm verdadeira responsabilidade climática. Lá, as hidrelétricas é que são poupadas quando há suprimento suficiente de energia solar e eólica. Os reservatórios são, com razão, considerados a melhor, maior e mais eficiente forma de estocar energia.

Aqui, ao contrário, superexploramos as hidrelétricas, não fazemos manutenção adequada dos reservatórios, que estão assoreados. Não nos preparamos para a escassez hídrica decorrente da mudança climática. Continuamos a celebrar a agricultura superirrigada, que contribui para a redução dos estoques de água, portanto de energia.

Basta olhar a curva de capacidade dos reservatórios com dados do ONS. Eles há muito tempo não alcançam a capacidade máxima efetiva e, a cada seca, eles também praticamente secam, o que aumenta a erosão e diminui sua capacidade efetiva a cada ano, porque vão ficando mais rasos e estocando menor volume de água.

Por isso faz sentido o Brasil se juntar ao cartel fóssil, a OPEP, embora vá descobrir que grandes produtores como a Arábia Saudita estão investindo pesadamente nas novas energias. A análise estratégica que fazem aponta para o fato de que o mundo será obrigado, em poucos anos, a escolher, de uma vez por todas, entre o usar a energia fóssil e enfrentar o trágico colapso climático, ou abandonar a energia fóssil e, talvez, escapar ao colapso climático.