A politização militante do X(Twitter) por seu dono, Elon Musk, mostra a contradição insanável de plataformas privadas de difícil regulação abrigarem o espaço público global da democracia digital. Até as postagens de Musk contendo desafios às decisões do ministro Alexandre de Moraes e justificativas que circulam nos perfis e bots da extrema-direita, o problema das redes digitais eram os algoritmos que favorecem a linguagem de ódio e atitudes antidemocráticas. Mas, ela se agrava muito com a interferência proposital, pensada e militante do dono da plataforma com viés da extrema-direita.
Os algoritmos são artefatos matemáticos, tecnológicos, produzidos, ou seja programados e codificados, por cientistas que trabalham para a plataforma, portanto sociais. Esta é a razão pela qual chamamos os algoritmos de artefatos tecnossociais. O impulsionamento de postagens com discurso de ódio e outros vícios humanos ocorre como efeito colateral do verdadeiro viés dos algoritmos para identificar as postagens que geram mais engajamentos e oferecer aos que as acessam outras postagens de teor similar. O objetivo é “fidelizar” os usuários da rede, induzi-los a ficar mais tempo conectados e se engajar mais, para ficarem mais expostos às mensagens publicitárias explícitas ou como parte de mensagens dos chamados “influenciadores”. Os algoritmos “aprendem” com o enorme volume de dados gerados pelas interações e vão impulsionando aquelas que cumpram os seu objetivos mercadológicos com maior eficácia.
É um problema que não se resolverá apenas com regulação. Será necessário reprogramar os algoritmos para que identifiquem e filtrem as postagens com linguagem de ódio, evitando impulsioná-las. Também será preciso que os falsos perfis e robôs maliciosos sejam identificados e expurgados. Essa disfuncionalidade das plataformas abrange também postagens criminosas, de pedofilia e de exploração sexual.
Diferente é a interferência política que incita a desobediência a ordens judiciais e às autoridades nacionais, por proprietários de plataformas digitais, globalizadas e que prescindem de bases em qualquer país. Elon Musk defendeu perfis que cometeram crimes políticos e contra a ordem constitucional, usou argumentos que se encontra em qualquer perfil da extrema-direita utilizado para atacar, difamar, caluniar, ofender e ameaçar os perfis com alta tração que considerem inimigos. Há uma minoria de perfis da esquerda que utiliza o mesmo método. No Brasil, essa minoria ataca os perfis de maior prestígio que critiquem os governos do PT. Mostra que o fascismo também está na extrema-esquerda. Mas, a maioria dos perfis identificados com o Partido dos Trabalhadores e com Lula, aceita as regras do embate democrático.
O viés introduzido por Elon Musk no X(Twitter) não é mercadológico, nem constitui um artefato tecnossocial. É um filtro político-ideológico que alinha a plataforma à extrema-direita e abre esta rede digital a todo tipo de propagandista da extrema-direita global. Não é uma postagem de perfis falsos, chatbots ou perfis minúsculos que servem apenas para permitir que robôs e perfis de maior influência repitam suas mensagens e elas sejam identificadas e impulsionadas pelos algoritmos. Em geral esses perfis são rasos, ignorantes, incapazes de criação, teleguiados pelos “ideólogos digitais”. Elon Musk se tornou um “ideólogo digital” e militante, como Andrew Anglin, Richard Spencer e Stephen Bannon, entre outros.
É muito mais grave e totalmente diferente. Aguça a contradição entre plataforma digital privada e espaço público, porque ameaça promover a ocupação ideológica e política deliberada do espaço público digital. Não falamos mais do fenômeno incidental, como efeito colateral, de algoritmos reprogramáveis, que promovem mensagens de ódio e outros conteúdos nocivos porque dão tração. É uma ação antidemocrática que ameaça a possibilidade de uma conversação coletiva, digital, múltipla e plural nas redes.
A reação inicial no Brasil tem sido discutir se o ministro Alexandre de Moraes está certo, se o que determinou é censura e se fere a liberdade de expressão. A liberdade de expressão absoluta invocada por Musk é contra-democrática. Também não é o tema mais importante a natureza jurídica da decisão do ministro. O importante não é se o X(Twitter) será ou não fechado no Brasil. Nenhuma dessas é a questão principal. O ponto-chave e que transcende o X é de uma plataforma privada abrigar espaço público global e ser transformada em um palanque ideológico por seu proprietário.