Chefes de Poderes se reúnem em democracias? Chefes de Poderes políticos, Executivo e Legislativo, podem se reunir para discutir impasses e formas de promover a agenda de políticas públicas. Principalmente nos regimes presidenciais, onde há separação de Poderes. Mas não é comum, ao contrário é estranhável, que o presidente do Supremo Tribunal Federal participe de uma reunião para discutir a agenda política.
O que pode prometer, em um pacto político interinstitucional, o Chefe do Executivo? Pode se comprometer a negociar pontos da agenda e se eximir de vetar alterações propostas pelo Legislativo. Pode prometer rever prioridades de cortes e liberações de gasto, para ajustar as metas do Executivo aos interesses legítimos do Legislativo. São muitos os poderes do presidente da República e há amplo espaço para ele negociar legitimamente com o Congresso.
O que podem prometer os presidentes da Câmara e do Senado? Podem assumir compromissos em relação à celeridade do processo de exame da agenda do Executivo, se esforçar para evitar obstruções excessivas e bloqueios removíveis. Dedicar a Ordem do Dia ao exame dessa agenda. Podem evitar a tentativa de derrubada de vetos presidenciais. São vários os poderes dos chefes do Legislativo e há muito espaço para negociações legítimas, que aproximem os interesses dos parlamentares aos do Executivo.
O que pode prometer o presidente do Supremo Tribunal Federal? Nada, além de fazer cumprir a Constituição, independentemente dos caprichos da política. Ao STF não cabe mais do que cumprir suas obrigações constitucionais, equidistante das disputas políticas. O Judiciário não tem a mesma natureza dos outros Poderes. O que pode prometer o Chefe do Judiciário? Deixar de julgar uma medida inconstitucional, apenas porque está na pauta politicamente pactuada?
Se, como disse o Chefe do Gabinete Civil, a reunião foi para um acordo para atender às reivindicações da manifestação realizada no domingo por estímulo governamental, então não é estranhável apenas a presença do presidente do STF. O comparecimento dos presidentes das duas Casas do Congresso é também muito estranho, pois aquela era uma pauta parcial. Não representava a maioria da sociedade. Mesmo desconsiderando-se os ataques às instituições da República, levando-se em conta apenas as manifestações a favor da reforma da Previdência e da legislação anticrime, não seria suficiente para merecer um pacto entre os Poderes. Ainda mais com as lideranças silentes à voz comparativamente mais densa das ruas no dia 15/5.Deveriam, no mínimo tratar igualmente a favor da educação, da ciência e da pesquisa científica e tecnológica, de longo alcance e indisputável relevância. Reivindição ausente nas ruas de domingo.
Negociar para evitar que ameaças de fechamento do Judiciário feitas na rua dominical não teria cabimento. É impensável imaginar a possibilidade de ataque ao Judiciário, em uma ordem democrática. Não faria sentido um pacto para respeitar os limites da democracia. Este é um suposto da convivência sob o pacto constitucional de 1988.
Se as lideranças políticas e judiciárias julgam necessário um pacto pela democracia, é preciso que tornem público de onde vêm as ameaças à Constituição e à democracia brasileiras. Quem ameaça a ordem democrática? Se há ameaça e os responsáveis por ela são identificados, nem seria necessário um pacto. Bastaria fazer cumprir a Constituição e as leis, pois trata-se de crime óbvio.
Recuso-me a imaginar que esta reunião tenha sido antecipada, ou mesmo motivada, pela manifestação de domingo. Com evidentes sinais de organização, faixas padronizadas e carros de som, se representasse ameaça às instituições, uma investigação sumária levaria aos responsáveis e tal ameaça poderia ser facilmente afastada. Deveria ser tomada como declaração de desejos de uma parcela apenas da sociedade. Para atender ao Brasil e ao futuro do Brasil, os chefes parlamentares deveriam lembrar da outras partes, que se manifestaram antes e não estavam representadas no domingo. Os dois podem legitimamente representar facções, na qualidade de parlamentares. Como chefes do Legislativo o apropriado é que considerem todos os setores representados no Congresso, não apenas o governamental.
Apesar de inusitada, uma manifestação estimulada pelo governo, a seu favor, ela é parte do processo democrático. A democracia não discrimina quem tem o direito de manifestar suas opiniões, mesmo quando elas são adversas aos valores democráticos. Todos o têm. Ela impõe limites apenas a atos concretos que visem a derrubada do regime constitucional, do estado democrático de direito. Embora certamente não tenha sido espontânea, foram claros os sinais de apoio organizado e convocação por parte de organizações corporativas conhecidas, foi legítima. Não pode ser considerada como apoio plebiscitário majoritário ao governo, nem pode ser admitida como advertência ou ameaça aos poderes democráticos constituídos. Menos ainda como a expressão da vontade coletiva merecedora de ser objeto de um pacto entre os Poderes republicanos.
Os chefes do Executivo e do Legislativo fazem bem em conversar e negociar. O impasse gerado pela recusa do presidente a formar uma coalizão majoritária, ameaça o interesse coletivo e gera o risco de aprofundamento da crise econômica. Uma crise que já é a maior da história recente. É a presença do Chefe do Judiciário e a associação explícita com a manifestação de domingo que contribuem para transformar uma reunião previsível em um encontro muito estranho.