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O futuro da democracia e as miragens eleitorais

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A terceira via ainda não passa de uma miragem de alguns pré-candidatos esperançosos e de alguns setores do mercado financeiro desencantados com a aposta na dupla Bolsonaro/Guedes. Eleitores órfãos querem acreditar, mas até agora, a fé não virou preferências em pesquisas sérias. O que está em jogo não são as candidaturas ou as pessoas. O que decidiremos em outubro de 2022 será o futuro da democracia no Brasil.

Simone Tebet não encontra energia em seu partido. O MDB não assume a pré-candidatura que oficializou, não tenta abrir espaço público para a senadora. Sem esforço do partido, ela não consegue dar substância à sua postulação.

João Dória tem rejeição muito alta e enfrenta oposição forte em seu próprio partido. Perde credibilidade como candidato, porque toda vez que se afirma como tal, alguma liderança importante de seu partido a nega. Já foi negado bem mais do que três vezes. Não há candidatura que resista a tanta negação.

Eduardo Leite já havia demonstrado convicções democráticas frágeis na campanha para as prévias do PSDB. Sua posição no campo democrático, no canto direito, é duvidosa. O que a esvazia de legitimidade é sua insistência em não aceitar o resultado de uma disputa da qual participou voluntariamente. E ainda alega fraude. É o que Bolsonaro faz recorrentemente com sua própria vitória, como ensaio para rejeitar o resultado de uma futura derrota.

Se entrou no jogo, tem que respeitar as regras e o resultado do jogo. Democracia é assim. Por isso, nós democratas toleramos Bolsonaro na Presidência no começo de seu governo. Ainda no primeiro ano, ele já havia cometido muito mais crimes do que aqueles imputados a Collor ou a Dilma para justificar a deposição dos dois por impeachment. Hoje, Bolsonaro é detentor de dois recordes: de número de crimes cometidos no exercício do cargo e de impunidade.

Moro já havia perdido credibilidade ao abandonar a magistratura pelo Ministério da Justiça de Bolsonaro. Saiu após ter tolerado abusos, como o desmanche da Funai. Candidato, atolou nas preferências do eleitorado e passou a sofrer pressão para tentar a candidatura outro cargo. Deixou o Podemos e entrou no União Brasil, no qual não pode ser candidato à presidência. Disse que abandonava a candidatura, para depois dizer que nada abandonou. Mas o partido ao qual se filiou se nega a lhe dar legenda para voltar à corrida presidencial.

Ciro Gomes corre isolado, como um lobo solitário. As outras forças que buscam a terceira via não o incluem nela. O próprio Ciro parece não querer ser parte de uma via que vê como muito à sua direita.

Fico me perguntando que base se pode ter para acreditar na realidade de uma terceira via, sem cara, sem proposta política clara, sem projeto. A ideia de que é a opção entre dois extremos é falsa, como demonstrou Míriam Leitão em coluna recente no Globo. Não há duas candidaturas extremistas. Há uma só, antidemocrática, de extrema-direita, que se utiliza de meios similares aos do fascismo e do nazismo.

Lula já governou o país por oito anos. Não é novidade. E este é um problema porque o Brasil precisa de novas lideranças em todos os cantos do campo democrático. Mas, pelo fato de já ter sido presidente, sabemos que jamais investiu contra a democracia. Ele tem dado demonstrações, cada vez mais claras recentemente, de que compreende que sua candidatura só fará sentido se for de união do campo democrático. Portanto, além do perímetro ocupado pela esquerda. A aproximação com Geraldo Alckmin, hoje no PSB, foi o primeiro movimento concreto nesta direção.

O sistema político brasileiro moveu-se muito para a direita, com Bolsonaro dono da chave do cofre do Tesouro. O movimento ao centro é inevitável. Mas, boa parte deste sistema moveu-se, também, para longe das fronteiras morais. O Brasil perdeu a noção da compostura moral mínima indispensável à democracia. Um Procurador Geral da República que não enxerga crimes óbvios e bombardeia com seus pareceres a reputação da PGR e do próprio Ministério Público. Uma sociedade que assiste pasma ao desmonte do sistema institucional de proteção aos direitos constitucionais. Hoje, só o STF e o TSE se contrapõem à demolição institucional, porém limitados à necessidade de provocação externa e pela ação contrária do PGR.

Fechada a janela partidária, o que se viu foi o inchaço do centrão, que tem sido o instrumento de Bolsonaro e Arthur Lira para solapar a democracia. Agora mesmo, Lira patrocina um novo modelo de golpe institucional, com uma proposta de semipresidencialismo apresentada como suposto aperfeiçoamento institucional para o futuro. Mas, tudo que é aprovado para o depois, pode ser antecipado para o já, alegando alguma emergência. O semipresidencialismo patrocinado por Arthur Lira não passa de uma autocracia fantasiada de democracia, como aquela que mantém Viktor Orbán no poder. A Hungria nos alerta para este risco. Mesmo com uma frente ampla de oposições, Orbán conseguiu recuperar popularidade suficiente para que as regras eletorais desenhadas por ele lhe dessem a vitória. Teve uma ajuda externa importante, com a invasão da Ucrânia por Putin. A OTAN e a União Europeia deram força a todos os seus membros, beneficiando três autocratas: Orbán, Recep Tayyip Erdoğan, na Turquia, e Andrzej Duda, na Polônia. Imprevistos externos sempre haverá neste tempo de muitas mudanças globais.

O inchaço do centrão não vale, felizmente, como passaporte para reeleições. Vale como maioria ocasional até a próxima legislatura. Em outubro, todos terão ser reeleitos. É a hora do eleitor cobrar os abusos. Para a eleição presidencial, esta maioria disforme pouco vale. Nos estados, ela se desmancha nas rivalidades locais, levadas pelo oportunismo na busca da melhor aliança para se reeleger. Quem não tem ideias e apenas atua como procurador de terceiros em troca de fugaz prestígio, verbas e financiamento de campanha, também não tem lealdades. A adesão traz junto a traição.

Serão duas as eleições críticas para a democracia, neste outubro de 2022. A presidencial, na qual concorre à reeleição um claro projeto de autocracia, uma candidatura radicalmente antidemocrática. A legislativa, pela formação de bancadas. Todos os partidos estão com bancadas miniaturizadas. Os números depois do troca-troca, não valem. Bancadas democráticas maiores e mais coerentes serão a chave para a governabilidade. Nas eleições para a Câmara, estará em pauta a versão Lira da autocracia semipresidencialista. Nunca o eleitor teve tão nas mãos o futuro da democracia como agora.