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Milei joga no tudo ou nada

O presidente argentino, Javier Milei, se mostra intransigente no relacionamento com o Congresso. Sem negociar a aprovação de seu decreto de necessidade e urgência, que enfrenta dificuldades em ambas as casas, Milei mais que dobrou a aposta e enviou uma “lei omnibus” ao Congresso. Com 660 artigos o projeto pede, entre outras medidas muito controvertidas, que o Congresso decrete estado de emergência e lhe delegue poderes plenos até 31 de dezembro 2025, prorrogáveis por mais dois anos.

A delegação de emergência constante do projeto é a mais extensa jamais pedida por um presidente ao Congresso argentino e o tornaria um autocrata legal. O estado de emergência que justificaria tal transferência de poderes abarcaria 11 setores, alcançando praticamente todas as áreas possíveis de ação governamental. As emergências abrangeriam as áreas econômica, financeira, fiscal, previdenciária, segurança, defesa, tarifária, energética, sanitária, administrativa e social. Imaginando-se sua prorrogação por dois anos, Milei governaria autocraticamente por todo o seu mandato.

O decreto de necessidade e urgência, que já havia chegado ao Congresso, com mais de 300 artigos e medidas também controvertidas, é diferente de projetos de lei, porque o parlamento só pode aprova-lo ou rejeita-lo. Expressa bem a opção de Milei por um jogo de tudo ou nada. Anunciou que, se rejeitado, convocará um plebiscito, mas a Constituição  prevê que apenas a Câmara de Deputados pode convocar plebiscitos. O presidente não tem ferramenta legal para cumprir esta ameaça.

O projeto de lei “omnibus” chegou ao Congresso argentino no mesmo momento em que a CGT, organizações sociais e movimentos sociais reuniam mais de dez mil pessoas na praça dos Tribunais, protestando contra o DNU. A manifestação seguiu as regras impostas pelo governo Milei para evitar a repressão policial. Ao mesmo tempo, a CGT entrou com pedido judicial para que o DNU seja considerado inconstitucional.

Não há condições de aprovação de nenhuma das duas propostas. Milei não se mostra disposto a negociar. Presidentes minoritários, em governos divididos, com a maioria no Congresso controlada por uma coalizão distinta da que o apóia, não tem outro caminho se não negociar a aprovação das medidas que pretende implementar. Ainda mais com a medida que considera prioridade judicializada

Parlamentares da Unión Cívica Radical, que apoiou Patricia Bullrich na presidencial e Milei no segundo turno, mas não fazem parte de sua coalizão de governo, se dizem dispostos a negociar. Eles podem ter a chave da maioria. Admitem uma interpretação que permita a rejeição parcial do decreto, ou sua rejeição no todo, seguida da apresentação de projetos de lei com o conteúdo de consenso para serem aprovados em março. O presidente não aceita. Uma deputada radical que concorda com parte das propostas de Milei, examinando o DNU e o projeto de “lei omnibus”, disse que não quer ser governada por um imperador com todos os poderes.

Milei propõe a si mesmo e ao Congresso uma equação que não fecha. Diz que para ele só vale tudo ou nada. Decretos de urgência e necessidade têm esta natureza de “ou levo tudo, ou nada levo”. Mas não tem voto para obter tudo. É apenas uma forma de transferir para o Congresso o ônus de rejeição de um decreto presidencial que promete acabar com a inflação em definitivo a uma população sofrida e aflita. Medidas já adotadas por seu governo catapultaram a inflação que sobe exponencialmente. Se a maioria do Congresso não acreditar que o DNU contém o condão da estabilização não verá custo de grande magnitude na sua rejeição.

A tramitação do DNU e da “lei omnibus” não dependerá apenas dos deputados. Um bloco de 23 parlamentares que faziam parte da coalizão “Juntos por el Cambio” se declarou independente e anunciou que discutirá seu voto com governadores das províncias que representam. 

Só há caminho para a aprovação negociada da parte que formaria consenso pela centro-direita. Se insistir no tudo ou nada, a maior probabilidade é que Milei acabe com nada. Já obter delegação tão ampla e inédita de poderes é improvável em um Congresso no qual é minoritário. Para obtê-la, Milei teria que convencer os radicais e parte do justicialismo antikirchnerista para ganhar a confiança e a credibilidade de que uma vez dotado de tão amplos poderes não transformará a Argentina numa autocracia. Como fez Viktor Orbán na Hungria. Parece uma tarefa quase impossível, ainda mais com a atitude intransigente que já adotou diante do Congresso.