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Argentina: paradoxo e supresa

O resultado do primeiro turno das presidenciais argentinas surpreendeu pela votação expressiva de Sergio Massa, o ministro de uma economia hiperinflacionada. Sair em primeiro para o segundo turno não estava nas expectativas dominantes dos analistas e pesquisadores eleitorais. Era Milei o favorito. É um paradoxo o mais votado ser o principal responsável pela gestão macroeconômica calamitosa. É verdade que 54% dos argentinos votaram claramente contra o “oficialismo”. Ainda assim, foi uma vitória indiscutível para Massa. O peronismo, entretanto, perdeu quase 4 milhões de votos em relação ao primeiro turno na eleição do agora esquecido Alberto Fernández.

Como explicar o paradoxo de na Argentina o voto econômico não determinar o resultado das urnas? Há dois fatores importantes a considerar. O primeiro deles, o efeito-medo da candidatura de Javier Milei, centro da última etapa da campanha de Massa. O candidato do oficialismo e Patricia Bullrich usaram a parte final da campanha para falar dos riscos representados por Milei para o futuro da Argentina. Milei disputará o segundo turno com o candidato do justicialismo em desvantagem pela frustração das expectativas em relação a seu desempenho. Mas é tão vitorioso, quanto Massa.

Bullrich, candidata do partido do ex-presidente Mauricio Macri, Propuesta Republicana, embora sendo a principal derrotada, concentrou os votos que definirão o candidato vitorioso no segundo turno, em 19 de novembro próximo. Ela obteve quase 24% dos votos com a coalizão Juntos por el Cambio e são estes votos que Massa e Milei buscarão nas próximas semanas. Seu principal erro foi centrar sua campanha no ataque ao kirchnerismo, uma entidade ausente na disputa, pelos dissabores que vive Cristina Kirchner na justiça e pelo apagamento precoce de Alberto Fernández.

Os dois vitoriosos, em seus discursos de vitória, fizeram acenos aos partidos da coalizão Juntos por el Cambio de Bullriich, o Propuesta Republicana e a Unión Cívica Radical. Os republicanos elegeram 3 governadores e os radicais, 5. A coalizão também tem a chave da maioria parlamentar, controlando 93 cadeiras na Câmara de deputados. A chapa de Milei terá 38 cadeiras.

No Senado, como é tradicional, o justicialismo terá a maior bancada, chegando muito perto da maioria, com 31 dos 72 senadores. Juntos por el Cambio terá 24 senadores e o bloco de Milei, 8.

Na cidade de Buenos Aires, Jorge Macri, do Juntos por el Cambio, ficou muito perto de se eleger prefeito, com mais de 49,5% dos votos. É um grande vitorioso da coalizão de Bullrich e curioso, do maior perdedor dessa eleição, que foi seu primo Maurício Macri.

O segundo fator que explica a votação de Massa é a máquina peronista e seu controle sobre meios de comunicação. As organizações do partido Justicialista e os sindicatos atuaram fortemente para mobilizar eleitores e estimular a participação especialmente dos mais velhos e dos aposentados, entre os mais ameaçados pelas propostas privatistas de Milei.

Não se deve descartar também, o estranho fato de um ministro da Economia ser candidato à presidência, continuando no cargo. Massa pôde usar artifícios como a distribuição de recursos de ajuda social, créditos para empresas e, além disso, decretar feriado bancário por cinco dias. Paralisou as atividades financeiras, por sete dias, com o fim de semana, para evitar uma valorização ainda mais acentuada do dólar.

No segundo turno, para vencer Javier Milei Massa terá que capturar votos da oposição descontentes com o peronismo e com o estado da economia. Um grande desafio.

Na noite deste domingo, muitos analistas perguntavam se esses 37% dos votos não representariam o teto de Massa, diante do estado da economia e da hiperinflação. Certamente, o avanço de 10 pontos que ele conseguiu entre as PASO, as primárias, quando obteve 27% já foi um resultado surpreendente, no contexto macroeconômico das eleições.

Em seu discurso de vitória, Massa prometeu, se eleito, convocar um governo de união nacional, e lembrou aos radicais, que fazem parte da coalizão de Bullrich, os valores que compartilham.

Há, também, analistas que perguntam o mesmo sobre os quase 30% de Milei. Afinal, ele obteve praticamente o mesmo percentual nas PASO. Em votos, Massa e ele aumentaram o número de votos, enquanto Bullrich perdeu. Se esses 30% foram a crista da onda Milei, ela quebrará durante a campanha do segundo turno e ele não conseguirá avançar muito além desta marca. Boa parte dos votos da oposição podem ir para a abstenção — que ficou em 22% no primeiro turno — e nulos e brancos, que somaram menos de 3%.

Milei fez um discurso propondo o final da campanha de ofensas e já adiantou como buscará os votos de Patricia Bullrich. Disse que dois terços dos argentinos votaram contra a calamitosa situação da economia e da inflação e contra a corrupção do kirchnerismo.

Em seu discurso reconhecendo a derrota, Patricia Bullrich falou dos valores que defendeu sua coalizão, entre eles o combate ao populismo, referindo-se ao peronismo, e à corrupção e também criticou o estado da economia. Pontos para Milei? Não dá para dizer ainda.

Do ponto de vista programático e ideológico, a coalizão Juntos por el Cambio de Bullrich tem maior proximidade com Milei do que com Massa. A distância entre o liberalismo conservador tradicional, de centro-direita de Bullrich e o ultraliberalismo, o capitalismo libertário como Milei o define é menor do que em relação ao peronismo. Mas, Bullrich demonstrou ter noção do perigo que ele representa para o país. Ponto para Massa ou para a abstenção.

Mas, Bullrich e os demais dirigentes dos partidos de sua coalizão não parecem ter a capacidade de transferir muitos votos. É bem provável que uma parte significativa desses eleitores fique indecisa e mais permeável à pregação dos dois candidatos vitoriosos durante a campanha para o segundo turno. Os eleitores de Milei são homens majoritariamente com menos de 40 anos. Os de Bullrich são majoritariamente mulheres e pessoas com mais de 50 anos. Os mais ameaçados pela campanha de Milei pela privatização da seguridade social.

Milei, obviamente ganhou, mas decepcionou. Esperava-se que saísse em primeiro, com boa vantagem sobre o segundo, se não conseguisse a vitória no primeiro turno. Mas, ficou praticamente estacionado.

A máquina peronista superou-o em várias províncias em que saiu vitorioso nas PASO. O fato é que a eleição que verdadeiramente valeu foi a deste domingo e, nela, Milei não foi surpresa, nem prodígio. Massa cresceu muito mais do que ele, em relação às PASO, mas teve a pior votação recente do peronismo.

Os dois candidatos terão que trabalhar muito duro para conquistar a presidência. Massa sai com uma vantagem de seis pontos sobre MIlei e da eficácia da máquina partidária demonstrada no primeiro turno, ao colocá-lo em primeiro lugar e com a chave do cofre do Tesouro.

Milei tem a vantagem de o voto a conquistar já ser de oposição ao “oficialismo” e sua maior proximidade ao campo liberal-conservador, a terceira força do primeiro turno.

A palavra mais repetida na cobertura da contagem de votos foi “incertidumbre” e a incerteza persistirá até o final da apuração do voto de 19 de novembro.