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Trump fora

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Uma breve passagem pelo poder é o destino dos governantes incidentais que não conseguem cancelar a democracia antes do final do primeiro mandato. Foi o que escrevi em meu livro O Tempo dos Governantes Incidentais. O mais visível, no comando do país mais poderoso do mundo, era Donald Trump. Ele deixará a Presidênia em 75 dias e Joe Biden ocupará a Casa Branca. Terá a seu lado Kamala Harris, filha do casamento entre uma cientista que imigrou da Índia e um economista negro, vindo da Jamaica, como a primeira mulher a ser eleita vice presidente dos Estados Unidos.

Ainda se aguarda a lenta contagem e validação dos votos, para ter a confirmação oficial da eleição de Biden e Harris. Biden foi previsto como presidente eleito quando a vitória na Pensilvânia tornou-se irreversível e ficou claro que ele havia conquistado 273 votos do colégio eleitoral. Mas, à medida em que fecharem os totais em Nevada, Arizona e Georgia, onde ele está à frente, seus votos no colégio eleitoral devem aumentar, podendo alcançar 306.

Biden já fez um comunicado aos americanos e anunciou pronunciamentos dele e de Kamala Harris, às 20:00 deste sábado, 7/11, horário local.

Lideranças republicanas e de todo o mundo já enviaram cumprimentos a Biden e Harris, deixando o silêncio de Trump ecoando e se dissipará no ar, enquanto prosssegue sonora a contagem regressiva para o fim de seus dias no poder.

A vitória de Joe Biden e de Kamala Harris tem vários marcos históricos. Mas, também é incomparável a magnitude do desafio que tem pela frente. O país está sitiado por uma virulenta segunda onda de Covid-19, tendo alcançado as piores marcas de toda a pandemia, com mil mortes e 120 mil casos por dia. A crise recessiva é brutal e não poderá ser apropriadamente resolvida, antes que a pandemia seja debelada ou, pelo menos, controlada nos limites de segurança suficientes para uma retomada programada de atividades. O país está politicamente dividido, mas o mais grave é que enfrenta um impasse social grave e que bloqueia a possibilidade de consensos amplos.

Trump já começou a perder poder. Sem o aparato imperial da Presidência, perderá muito mais. Biden venceu com largueza no voto popular. A contagem não terminou. O total do Democrata vai aumentar. Trump teve uma votação importante, mas insuficiente e inferior à de Joe Biden. A expressiva superioridade de Biden no voto popular superou de muito as margens obtidas por Hillary Clinton e Al Gore, que perderam no colégio eleitoral. Foi uma vitória limpa e incontestável, “fair and square”, como diriam os eleitores de Biden.

Biden tem experiência de governo, como vice-presidente, e de Legislativo, como senador por décadas. Kamala Harris, conhece o processo legislativo. Os dois já trabalham na transição. Estão conduzindo sucessivas reuniões com cientistas e médicos, em preparação para o enfrentamento da pandemia, desde o primeiro dia de governo. Também estão se reunindo com economistas, para traçar um plano para lidar com a recessão e o caminho para implementação de uma versão própria do Green New Deal.

Nos próximos dias, ainda será necessário acompanhar o final da contagem e recontagem de votos e limpar o caminho judicial para o resultado oficial. Terminada esta fase, vamos ouvir mais sobre o presidente e a vice-presidente eleitos, do que sobre o presidente de saída. Já é a era de Joe Biden e Kamala Harris e os americanos e todo o resto do mundo estarão buscando sincronia com os novos dirigentes. O maior dos governantes incidentais, mostrou-se incapaz de transformar sua chegada ao poder em algo mais sustentável. Certamente, nenhum deles o conseguirá mantendo a integridade das regras democráticas. Alguns, como Viktor Orbán, conseguem, deformando as instituições democráticas.

Trump cumpria todos os requisitos de um governante incidental. Eles saem de fora ou da periferia do sistema político para vencer uma eleição atípica. Vivem da mobilização de acólitos e destinam a maior parte da energia do cargo para esta missão. Não têm capacidade de governo. Preferem deixar o país em desgoverno, para manter-se em campanha permanente.

Mas, Trump encontrou um adversário portentoso, capaz de impedir que usasse meios artificiais de ampliar seu fôlego curto. Joe Biden tinha a senioridade e a credibilidade políticas para construir uma ampla coalizão. Começou esta montagem dentro de seu próprio partido, escolhendo Kamala Harris e atraindo as lideranças da esquerda para um acordo programático. Com o apoio de Bernie Sanders e Elizabeth Warren, as lideranças com senioridade da esquerda, e Alexandria Ocasio-Cortez, da nova geração de lideranças de esquerda, ele uniu o partido. Com sua experiência e empatia, atraiu republicanos, como a família do falecido senador John McCain, derrotado por Obama, o ex-secretário de Estado de G. W. Bush, Collin Powell, o ex-governador de Ohio, o republicano John Kasich. A coalizão de Biden alcançou os independentes e os movimentos sociais, especialmente dos negros. Foi demonstrando esta capacidade de união e liderança, que Biden recebeu a confiança da maioria dos americanos para conduzir o país rumo à saída da pior crise que ele já enfrentou. Uma crise causada pelo desgoverno, pela contestação dos fundamentos e valores da democracia, pelo descontrole da pandemia e desprezo pela ciência, recessão e um impasse social na beira de conflitos violentos e da desordem civil.