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De novo a polarização: só o torcedor do time aprova

  • Categoria do post:Política

Ninguém está satisfeito. Peguem a pesquisa de opinião sobre a popularidade do governo, em qualquer país. O governante não tem a aprovação da maioria. Para facilitar, vejam, por exemplo, a pesquisa IPSOS para três grandes democracias. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump é desaprovado por 53% dos americanos. No Reino Unido, Theresa May é desaprovada por 62%. Na França, a desaprovação do presidente Macron é de 69% e do primeiro-ministro Édouard Philippe, de 63%. O desemprego nos Estados Unidos é de 3,9%. A renda média real voltou aos níveis pré-crise da subprime de 2008. Embora haja indicações de que a classe média não recuperou as perdas causadas pelo colapso do mercado imobiliário que levou o país à recessão. A renda dos britânicos cresceu quase 3% reais, no segundo trimestre e já havia crescido, também, no primeiro. O desemprego, de 4%, está em queda. Na França, o desemprego é alto, de 9%, mas estável e a renda real está subindo. Logo, não é a economia… Há algo mais a erodir a popularidade dos governantes.

Arrisco duas hipóteses complementares. A primeira é que as sociedades estão polarizadas e a polarização atual cria um “espírito de time”, tem bases mais afetivas, do que ideológicas. Esta polarização transforma os partidos em times, que amam seus filiados e detestam os outros. Entre os Democratas, a desaprovação de Trump é de 88%, mas 84% dos Republicanos o aprovam. Entre os Conservadores, Theresa May tem a aprovação de 56%. Mas, a primeira-ministra é desaprovada por 85% dos Trabalhistas. Na França multipartidária, a média de desaprovação de Macron nos outros partidos é de 81%, todavia, ele é aprovado por 84% dos simpatizantes do seu partido, o République En Marche. Portanto, acaba virando um jogo do tipo, “nós que votamos a favor, aprovamos, e eles que votaram contra, desaprovam”, independentemente do desempenho efetivo do governante.

A segunda hipótese, complementar a este “espírito de time”, tem a ver com o fato, mais difícil de medir, de que a agenda do governante não coincide com a agenda da maioria, mas satisfaz àqueles que votaram nele. Na pesquisa IPSOS para os Estados Unidos, há uma pista sobre esta dissociação entre a agenda do presidente e da sociedade. Trump fez campanha contra o programa de seguro saúde de Barack Obama, que deu aos americanos pobres, pela primeira vez, acesso subsidiado à assistência médica, o Obamacare. Entre os Republicanos, 14% consideram que assistência médica é o maior problema do país. Perde para imigração, apontada por 25% como o maior problema. Uma das áreas em que Trump tem insistido mais. Mas, entre os Democratas, assistência médica é o maior problema para 25% e também para 21% dos independentes. Em ambos os casos, é o tema com maior concentração de escolhas. Imigração é apontada por apenas 7% dos Democratas e por 9% dos independentes. Infelizmente, não há dados comparáveis para o Reino Unido e a França. No Reino Unido, porém, há uma clara polarização em relação à Brexit. Entre os Conservadores, segundo pesquisa do YouGov, deste mês de setembro, 80% consideram que foi correto votar a favor da saída da União Europeia. Já entre os Trabalhistas, 65% acham que foi um erro. Entre os britânicos em geral, 71% acham que Theresa May tem se desempenhado mal na condução da Brexit. Mesmo entre os Conservadores, ela tem menos aprovação, 35%, que que desaprovação, 58%. Mas entre os Trabalhistas, 85% desaprovam a maneira pela qual vem conduzindo a questão.

É claro, numa sociedade que vota polarizada, a agenda do eleito dificilmente coincidirá com a agenda da maioria da sociedade. Em toda parte, e no Brasil em particular, vota-se mais contra determinados candidatos ou determinadas agendas, do que a favor. Quando há dois turnos, como na França e no Brasil, a maioria acaba votando por uma agenda que é a sua segunda, terceira, ou quarta preferência e apenas a maioria do partido do eleito, tem sua agenda como preferencial. É provável que a popularidade de um governante eleito dessa forma sofra rápida erosão, gerando problemas sequenciais de governança, senão de governabilidade.

Publicado originalmente no Blog do Matheus Leitão, G1: https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/2018/09/30/so-o-torcedor-do-time-aprova.ghtml