Se os candidatos que Bolsonaro apoia ganharem, ele estará consagrando o projeto de poder do Centrão. O projeto vitorioso no Congresso, com Arthur Lira (Progressistas) e Rodrigo Pacheco (Dem), não é de Bolsonaro. É do Centrão. Ele retorna à hegemonia, depois do colapso do domínio de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e Renan Calheiros (MDB-Al). Agora, o Centrão volta ao poder. No período em que Cunha dominava a Câmara, o Senado era presidido por Renan Calheiros (MDB-AL). Ambos pertenciam à banda fisiológica do MDB, que cresceu muito depois dos governos de FHC e do primeiro mandato de Lula. O senador Pacheco, no Senado, é do Centrão do Dem. A banda fisológica do Dem, cresceu e se tornou dominante no partido.
Desta vez, o Congresso será chefiado por parlamentares de partidos diferentes, o Progressistas, na Câmara, e o Dem, no Senado. Caso vencessem Baleia Rossi e Simone Tebet, o MDB voltaria ao comando das duas Casas, mais afastado do Centrão pela dinâmica política da disputa, a partir da entrada de Bolsonaro no jogo. Rodrigo Maia tentou afastar o Dem deste grupo oportunista, mas ao final não conseguiu, porque ACM Neto tinha outros interesses e por pressão dos senadores do Dem, que apoiam Rodrigo Pacheco. A vitória de Lira e Pacheco consagra o projeto de poder do Centrão.
Este não é centro, no sentido de ser equidistante da esquerda e da direita. O centro adere a certas pautas da esquerda (no campo social) e econômicas da direita. O Centrão se move à base de orçamento e cargos. O centro, pela moderação das políticas sociais da esquerda e dos excessos neoliberais da direita, mesmo quando também ambiciona cargos e verbas. Não é a direita liberal que controla o Executivo, mas a extrema-direita autoritária e reacionária. Parte da centro-direita liberal se opõe a Bolsonaro desde o rompimento com Sergio Moro. O que remanesceu, apeou do apoio a Bolsonaro, quando ficou claro que ele não apoiava a agenda liberal de Paulo Guedes e que este se acomodou.
Caso se confirme o favoritismo do Centrão, Rodrigo Maia sofre uma derrota importante e deixa de ter um espaço confortável no Dem. Não perde necessariamente sua capacidade de influir nas decisões do plenário, mas fica enfraquecido. Ele pode buscar um novo partido que tenha posição clara de oposição a Bolsonaro. Ao longo da campanha para a sua sucessão ele se moveu decididamente para o campo da oposição.
Pela magnitude das concessões que Bolsonaro prometeu fazer, inclusive entregar ao Centrão o ministério da Saúde e a Educação a ACM Neto. Para que este se junte ao grupo e afaste o Dem de Rodrigo Maia, Bolsonaro terá que abrir mão de parte importante de sua agenda reacionária e negacionista. Com o controle da Câmara e do Senado, o poder de agenda se transfere para o Centrão. O Centrão não tem posição, tem apenas interesse nos recursos de poder que asseguram a reeleição de seus parlamentares e sua posição de pivô da maioria. É governista sempre. A não ser quando não é aceito pelo Executivo.
Será uma função de pivô diferente, porque não é exercida por um partido, mas por um conglomerado de partidos, nem sempre com interesses coincidentes. É um pivô fragmentado e, por isso mesmo, exige mais concessões do Executivo para ser contentado. O projeto de poder do Centrão supõe hipotecar a autonomia do Legislativo ao Executivo, a título precário, em troca de um fluxo continuado de verbas e a permanência no controle de cargos.
O fato de que nem seus parlamentares, nem Bolsonaro, se importem em eleger como presidente da Câmara um parlamentar que é réu em dois processos no STF e, portanto, afastado da linha de substituição eventual do presidente da República, mostra o abandono integral da defesa da moralidade pública e da luta contra a corrupção por parte de Bolsonaro e da maioria do Congresso. A adesão de Bolsonaro ao combate à corrupção, sua aversão à “velha política” e sua defesa da moralidade pública eram mentiras de campanha. Enganou uma parcela considerável de eleitores, parte dos quais o abandonou, quando Moro deixou o ministério da Justiça.
Ceder ao projeto de poder do Centrão tem alto custo. Ele só apoia a agenda do Executivo no que lhe for conveniente e em troca de mais verbas orçamentárias e mais cargos no Executivo para seus apadrinhados. Quando apoiar o presidente passa a ter efeitos negativos na base eleitoral do Centrão, ou as concessões do Planalto não atenderem à demanda fiscal e de influência por meio de cargos, ele abandona o presidente à própria sorte. Há uma coincidência forte de interesses entre Bolsonaro, o Centrão e parlamentares da esquerda que apoiam o Centrão nesta eleição, que é a imunidade. Ela será obtida neutralizando, em boa parte por meio da Procuradoria Geral da República, os inquéritos e processos por corrupção, principalmente oriundos da Lava Jato, e alterando a legislação aprovada para fortalecer a luta contra a corrupção, a partir da experiência da Lava Jato. Além da imunidade sua e dos filhos, todos envolvidos em inquéritos por corrupção, Bolsonaro quer o blo queio do processo de impeachment por sua nova base.
O governo Bolsonaro muda de natureza. Passa a dividir o poder com os partidos do Centrão. Toda a aparência construída para elegê-lo se dissipa e aparece o verdadeiro Bolsonaro. Sua afinidade com o Centrão vem da sua longa carreira como deputado federal. Mas, ao chegar à chefia do governo, Bolsonaro viu a possibilidade de assumir na prática a sua personalidade autocrática e intolerante. Ele se irrita facilmente quando é contrariado, exige lealdade e obediência absoluta dos que fazem parte de seu governo. Se não conseguir domar esta personalidade na relação com o Centrão, a ruptura pode acontecer mais cedo, mesmo sendo conveniente aos parlamentares desse bloco permanecerem influentes na órbita do governo. Contrariado, Bolsonaro pode decidir retaliar, cortando verbas e demitindo indicados pelos congressistas e o Centrão deixaria de ter interesse em manter sua ligação com o governo. É uma relação precária, não chega a constituir uma coalizão sólida.