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O paradoxo de Ziraldo e as eleições de 2022

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Os partidos do centro e do centrão obtiveram maior representação no Legislativo, superando a esquerda que será o núcleo da coalizão de Lula, no caso de vitória, e a direita, núcleo da coalizão de Bolsonaro, se vencer. O PT elegeu 68 deputados, 13% das cadeiras. Com os demais partidos da federação, PCdoB e PV, serão 80 parlamentares, ou 15%. O PL, partido que hospeda Bolsonaro, elegeu 99 deputados, 19% das bancadas.

Como explicar a disparidade entre os votos para presidente e os votos para deputado federal? Nem o PT de Lula, nem o PL, partido que hospeda Bolsonaro, obtiveram representação proporcional à votação dos dois candidatos à Presidência no primeiro turno. Há duas explicações, elas não excludentes, nem concorrentes entre elas. A primeira chamo de Paradoxo de Ziraldo, porque foi o gênio do cartunista e escritor Ziraldo que a enunciou de forma mais clara e direta, ainda nos anos 1970. A outra, está na base de meu modelo do presidencialismo de coalizão. É esse descompasso entre a votação do presidente eleito e a força relativa de seu partido no Congresso, que torna o governo de coalizão uma condição necessária à governabilidade.

A ditadura suprimiu os partidos que dominaram a política nos anos de 1970, mas não suprimiu todas as eleições. Criou dois partidos, um governista e outro para fazer oposição dentro das quatro linhas definidas pelo general-ditador da hora. Os partidos disputavam as eleições municipais, com exceção das capitais e estâncias hidrominerais, e as eleições legislativas.

Ziraldo era cartunista do Jornal do Brasil e, numa campanha, publicou uma charge, na qual dois interioranos mineiros conversavam. Um perguntava ao outro como votariam. O outro respondia: “É fácil, cumpadi, municipár nóis vota a favor, federár, nóis vota contra”. Pena, mas não consegui recuperar a charge no acervo digitalizado do JB. O paradoxo de Ziraldo é este: a não correspondência entre o voto no âmbito estadual e o voto no federal. São lógicas de escolha distintas.

Em meu artigo “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”, falo da forte heterogeneidade estrutural do Brasil que leva à formação de sistemas político-partidários diferenciados nos estados. Essa heterogeneidade persiste e os sistemas político-partidários locais se firmaram em um mosaico diverso, impossível de ser sintetizado no plano federal. O todo será sempre diferente da soma das partes. Em consequência, o partido do presidente eleito nunca alcança mais do que 20% das cadeiras.

A diversidade de sistemas político-partidários locais alimenta a fragmentação partidária e torna a formação de coalizões multipartidárias necessidade inarredável para quem vai governar. É esta diversidade, também, que reduz muito o peso do apoio de governadores a candidatos a presidentes no segundo turno. A máquina é mais eficaz nas eleições municipais e estaduais do que na eleição presidencial.

Nesta eleição de 2022, de uso desabusado da máquina pública, em todos os níveis, e de avalanche de recursos do orçamentosecreto, os partidos mais próximos do governismo se saíram melhor. Esta é a destinação dos partidos do centro e do centrão. Eles não têm vocação para oposição. São sempre governistas e vivem, exatamente, dos benefícios advindos do uso da máquina e dos recursos públicos. Uma parte significativa dos parlamentares do PL tem esse DNA governista, independente de quem esteja na Presidência.

Há uma boa notícia e um consolo no resultado das eleições parlamentares de 22. A boa notícia é que a fragmentação partidária na Câmara caiu 46%,5% voltando ao que era em 2006. No Senado, caiu 33%, aproximando-se do que era em 2010.

O consolo é que a maioria controlada por partidos de centro e pelo centrão permite a formação de coalizões majoritárias, tanto para Lula, quanto para Bolsonaro.

A má notícia é que, no caso de vitória de Bolsonaro, não será a governabilidade que estará ameaçada. Será a democracia. Ele vai usar a maioria para solapar de vez a estrutura institucional de freios e contrapesos da democracia constitucional brasileira.