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Muito além dos limites democráticos

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A exigência constitucional de decoro para as autoridades não é um preciosismo das elites. É um limite democrático à convivência respeitosa. Autoridade sem decoro agride, em primeiro lugar, a instituição que representa. Quando o presidente da República perde o decoro, ofende a Presidência diretamente. Atitudes indecorosas como o presidente Bolsonaro tem adotado em público, difamando e caluniando a jornalista Patrícia Campos Mello, dando bananas aos repórteres cujos chefes submetem à humilhação de cobrir uma pantomima armada para claques e para despretigiar a imprensa, agridem a Presidência, atingem a democracia e o levam a perder o respeito da sociedade. Com exceção, é claro, dos seus seguidores fervorosos e dispostos a aceitar qualquer comportamento de Bolsonaro.

Se gosta de ser popular, o presidente deveria lembrar-se de ditos populares hiperconhecidos, “quem fala o que quer, ouve o que não quer”, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”, “a pessoa é senhora do que pensa e escrava do que diz”. Se ele não se dá ao respeito, perde o respeto. É só ver como ele trata adversários nas redes e como é tratado por eles. Tem nível de briga de botequim.

As grosserias presidenciais são uma forma de censura à imprensa, de intimadação de jornalistas e um grave crime de responsabilidade. O desrespeito ao decoro do cargo está capitulado entre os crimes de responsabilidade contra a adminstração pública, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo”.

Como temos um ministro da Educação que desconhece a língua pátria e sua gramática, é de se imaginar que muitos no governo sejam como ele. Vale dizer o que significa decoro. É compostura, comedimento, ter atitude respeitosa aos padrões de convivência civilizada entre pessoas, respeitar a si mesmo e aos outros.

O presidente e vários de seus ministros não se subordinam a esta atitude decorosa demandada pelas regras de convivência democrática e pela lei maior do país. O silêncio dos órgãos de vigilância constitucional diante desvios continuados de conduta constitucional pelo primeiro mandatário da República é inquietante. Significa que as instituições de freios e contrapesos estão em modo disfuncional para a democracia.

Para adultos maduros, o comportamento presidencial diante das câmeras é de constrangedor descontrole juvenil. Um diretor de colégio o chamaria para uma conversa disciplinar. No quartel, seria passível de medida disciplinar. E na democracia, quando é o presidente da República? Cabe representação ao Supremo Tribunal Federal, pedido de impeachment ao Congresso e as pessoas atingidas por ataques difamatórios podem processá-lo criminalmente junto à Suprema Corte, que pediria autorização à Câmara dos Deputados para julgá-lo pelos crimes contra a honra a ele imputados.

Nenhuma autoridade pode ser impune numa democracia. E, de fato, a Constituição só oferece imunidade ao Presidente da República por crimes praticados antes do exercício do mandato. Ele tem proteções especiais na lei, para que não se use a lei contra ele para desestabilizá-lo no cargo. Mas, a proteção tem limite. Ela não implica a prática flagrante de crimes. Neste caso, ele pode e deve responder pelos atos criminosos que comete no exercício do mais importante e respeitável cargo da República. Presidentes não estão autorizados a desrepeitar e ofender cidadãos. Podem ser responsabilizados por fazê-lo.

Não é apenas à instituição da Presidência que o presidente vem desrespeitando, por lhe faltar com o decoro. Tem, igualmente, ofendido a Federação, fazendo acusações sem provas a governadores, invadindo suas competências, desrespeitando o pacto federativo vigente.

O presidente já ultrapassou de muito os limites da convivência democrática. O silêncio e inoperância dos mecanismos de freios e contrapesos da democracia republicana indicam que as instituições já não funcionam bem. Há risco claro à democracia e ele só tem aumentado diante da inoperância dos mecanismos de defesa de que ela dispõe.