A chegada de Ciro Nogueira (Progressistas-PI), uma das principais e mais notórias lideranças do centrão fisiológico ao Gabinete Civil, se for confirmada, pode parecer um movimento para fortalecer o governo politicamente. Mas, não passa de um bom marcador de sua degeneração. Bolsonaro mira a proteção do Congresso, onde o impeachment o ameaça na Câmara e os inquéritos, na CPI do Senado. De quebra espera receber um convite do PP, para disputar a reeleição. Bolsonaro está cada vez mais fraco e impopular. As pesquisas convergem para pintar o retrato de um presidente fracassado. Esbraveja o tempo todo ameaçando golpe, um sinal eloquente de que está convencido de que perderá a disputa de 2022.
Eu me lembro da época em que ele se jactava de que ganharia a reeleição no primeiro turno. Começou a tremer nas bases, quando viu a pandemia parar a economia. Por isso, tornou-se o último dos negacionistas. Foi, também, a primeira granada que ele próprio lançou contra sua busca da reeleição. Com o insucesso de seus planos genocidas para estancar a pandemia, ficou menos seguro. Voltou-se, então, contra o voto eletrônico. Agora, tenta uma jogada dupla, usar o centrão para conquistar a imunidade no Congresso e se reeleger. Ciro Nogueira só entra nesse barco à deriva, porque está acostumado a pular de um barco para outro, independemente de quem o comande.
Ao nomear o presidente do Progressistas, Bolsonaro abandonará totalmente a fantasia que confeccionaram para ele vestir na disputa presidencial. Ele tem se desnudado progressivamente, rasgando pelo caminho peça por peça da fantasia que encarnou a propaganda fake da campanha eleitoral.
A primeira peça a ser rasgada foi a máscara do combate à corrução. Demitiu Sérgio Moro, que já era apenas um frágil símbolo, muito desacreditado pela ida para o ministério e pela evidente politização do seu papel de magistrado.
Com a nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República, desmontou as forças-tarefa e amarrou o quanto pôde o ministério público.
Com a mexida no comando da Polícia Federal buscou dar um viés governista às investigações e operações. Terminou a cooperação orgânica entre o MP e a PF.
Os desvios de função dos ministros da Justiça André Mendonça e Anderson Torres serviram para, além de controlar a PF, politizar sua ação e produzir investigações contra adversários políticos do governo e críticos do presidente.
Outra peça importante, foi o abandono do discurso liberal, de austeridade fiscal e antiestatista, para adotar uma postura econômica que chamam de populista e eu prefiro denominar de demagógica. Aliás nada mais demagógico do que o discurso do ministro Paulo Guedes.
A peça de baixo do rasga-fantasia foi o abandono da "nova política" e das pautas temáticas como base de um bloco governista no Congresso. Em seguida, deu um passo a mais e formou tardiamente uma coalizão com partidos do centrão, todos envolvidos em corrupção e ícones da "velha política", um dos alvos da artilharia da campanha bolsonarista. Uma coalizão minoritária, é bom dizer.
Bolsonaro fecharia a temporada "nova política" da novela rasga-fantasia ao aninhar o centrão no Planalto. Nesse processo de "abertura" do palácio saíram primeiro os bolsonaristas de raiz. Agora saem os militares dos postos "sensíveis" e do controle da articulação política. Na pré-temporada, saiu o porta-voz militar, general Rego Barros, após o afastamento dos bolsonaristas de raiz da comunicação oficial. Na abertura oficial da temporada, sairia o último militar do Gabinete Civil e entraria, Ciro Nogueira o representante maior do centrão. Ele deixaria a tropa de choque governista na CPI da Covid para seguir direto para o cargo-chave no Palácio do Planalto.
Não parece faltar mais nada para Bolsonaro ficar nu, diante do eleitorado e cada vez mais distante do sonho da reeleição. Por suas ações, não tem muita chance de se reeleger. Sem partido, imagina que o PP seja sua melhor possibilidade. Mas, os partidos do centrão nunca elegeram o presidente da República. O desfecho da reeleição está é nas mãos da oposição. Ela pode derrotar Bolsonaro, ou ajudá-lo a se reeleger.
PS: Ao defender a nomeação de Ciro Nogueira para o Gabinete Civil, Bolsonaro disse que ele é centrão, passou toda a vida parlamentar em partidos desse bloco informal no Congresso. Foi a primeira vez em muito tempo que falou a verdade. Ao dizer que precisa dos 200 votos do centrão, porque há 150 parlamentares de esquerda, que jamais votariam com ele, e 150 "mais ou menos" independentes, mostrou um cálculo realista. Não é totalmente verdadeiro, mas corresponde, grosso modo, ao quadro parlamentar. Bolsonaro não só rasgou a fantasia como, aqui e ali, passou a falar a verdade em temas de sua conveniência.