A defesa de Michel Temer e Aécio Neves tem um ponto em comum. Ambas tratam como se fossem naturais e admissíveis relações promíscuas com um grande empresário beneficiado por pesados e duvidosos subsídios públicos, com interesses relevantes na área regulatória e investigado no processo judicial sobre corrupção política. Temer considera natural uma conversa imprópria com o empresário na residência oficial, fora de agenda, registro e do expediente normal. Nesse encontro noturno e esquivo, do qual o público só ficou sabendo por causa da confissão do empresário, a conversa girou em torno de vários ilícitos — que ele bem conhece como jurista — suborno, tráfico de influência, obstrução de justiça. Presidentes não interrompem o mandato quando deixam o expediente. A residência oficial é um prédio público, à qual ele só tem acesso porque exerce o mandato. Aécio Neves diz que suas relações com o empresário eram estritamente pessoais. Pediu empréstimo, segundo seu advogado, na expectativa de juros mais razoáveis que os bancários, e pretendia pagar. O presidente ouviu do empresário uma série de ações para obstruir a justiça. Aécio Neves, confidenciou ao empresário uma série de maquinações para esvaziar a Lava Jato, anistiar financiamento ilícito de campanha, mesmo proveniente de esquemas de corrupção. Nada disso é natural. Nada disso é permissível a autoridades públicas.
O presidente da República é obrigado, por juramento solene, a cumprir e fazer cumprir a lei e a Constituição. Digamos que não tenha autorizado ou encorajado o empresário a continuar comprando o silêncio do deputado Eduardo Cunha, quando este lhe disse o que estava a fazer. Tomou conhecimento do grave crime e se omitiu. Ficou sabendo de suborno a autoridades do judiciário e se omitiu. Tudo isso objetivava obstrução da justiça e impunidade.
A omissão não é crime, em se tratando de cidadãos comuns. É uma decisão moral do indivíduo privado. Mas, para uma alta autoridade da República, como o presidente, a audiência de crimes pode se enquadrar no artigo 9o, inciso 7, da lei 1079/1950, que define os crimes de responsabilidade: “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Mas é provavelmente crime mais grave, pois o presidente, no exercício do mandato, na residência oficial, ao ouvir o relato de vários crimes, devia e podia agir para assegurar a punição do criminoso. Bastava notificar ao Procurador Geral da República sobre o que ouviu. Ou pedir que seu ministro da Justiça notificasse a Polícia Federal e determinasse que investigasse os crimes de que tomara conhecimento. Ao calar-se, é bem possível que tenha infringido o artigo 12, inciso 1, da mesma lei: “impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário”. Ocultava a ciência de atos que conspiravam contra ações do Poder Judiciário, nas investigações contra corrupção. Sem falar no fato de que deixou de fazer o que, como presidente, podia ter feito para fazer cumprir as leis e a Constituição. No mínimo. Um procurador competente haverá de tipificar outros crimes naquela conversa. Mas o crime de responsabilidade é suficiente para impedir a permanência de quem o cometa no exercício do mandato.
O senador Aécio Neves, ex-candidato e, até então, pré-candidato à Presidência da República devia saber que um homem público não pode obter qualquer tipo de favor ou vantagem de empresário. Especialmente, um empresário com uma larga pauta de interesses no setor público. Para um político, receber favores financeiros de empresário é crime de corrupção. Enquadra-se no conceito geral de busca de benefício privado material. No caso, o benefício se concretizou sob a forma de um “empréstimo” informal, cujas condições de pagamento não estão prévia e contratualmente estabelecidas. Empréstimo nessas condições constituiria suborno. Receber vantagem indevida é crime. Mas digamos que não seja suborno. Seria um ato ingênuo de um político que não consegue discernir os limites entre o que é permitido a um cidadão privado fazer, mas não a um detentor de cargo público, não a um senador da República. No mínimo, teria que se considerar o ato como grave quebra de decoro parlamentar, que pode lhe valer a cassação do mandato. É o equivalente ao crime de responsabilidade por quebra de decoro. Mas, tudo indica que o empréstimo foi objeto de ocultação. Não foi depositado em conta particular do senador. Não houve recibo. Não houve contrato. Apenas quatro mochilas de R$ 500 mil, que viajaram e ganharam destino incerto.
Em ambos os casos, além de haver base suficiente para identificar atos ilícitos, é flagrante a ofensa aos limites entre o público e o privado. Tudo muito grave, em si, sociológica e politicamente falando, independentemente de qualquer questão legal. Considerar a visita do empresário ao palácio residencial ou o empréstimo a senador da República como atos privados, de foro íntimo é, no mínimo, de uma ignorância imperdoável em autoridades políticas experientes como os dois. Não é necessário, para caracterizar o ilícito e a irregularidade, que o empresário obtenha vantagens diretas da autoridade. Basta mantê-las na sua intimidade e satisfeitas. Poder dizer que é íntimo do presidente da República e do de um senador da República, que pode vir a ser presidente, tem inestimável valor político. Desta forma, o empresário consegue evitar que se tornem obstáculos a seus interesses. É errado do mesmo jeito.