No dia em que atingidos 300 mil brasileiros mortos, número de situações de guerra ou de genocídios, apenas o ministro Luiz Fux registrou sua solidariedade com perto de 1,2 milhão de brasileiros que perderam seus entes queridos, que nem devia estar nesta reunião. Foi no encontro de chefes de poderes, convocado por Bolsonaro, para convalidar a falsa narrativa de que ele sempre esteve na frente de combate do coronavírus e que tem capacidade de coordenar e comandar o caombate nacional à pandemia. É uma situação dolorosa, desoladora, que exige de todo nós sobriedade, responsabilidade e, sobretudo, solidariedade. Compaixão. Condolência.
Muitas autoridades participaram e deram seu aval a uma reunião, que pode ser uma nova farsa de Bolsonaro. Ela ocorre, após pronunciamento em rede requisitada de TV, porque Bolsonaro não se expõe ao questionamento da imprensa. Nesta live compulsória, em princípio imaginada pelo Legislador para anúncios de interesse público, Bolsonaro fez autopromoção. Narrou uma narrativa 100% mentirosa, atribuindo-se papel que não teve na obtenção de vacinas, como defensor da vacinação desde o início, o que nunca foi. Um fio completo de mentiras criadas pela central de propaganda e dissimulação montada no Planalto, diante da perda de apoio popular e da ameaça representada pelo retorno de Lula como uma voz forte da oposição.
Na reunião, Bolsonaro convidou governadores que não representam, nem a média, menos ainda a mediana dos governadores, que lutam desesperadamente para fazer algo que minimize um pouco a crise sem precedente de mortes, colapso hospitalar e escassez de insumos críticos. Estavam lá apenas governadores que colaboram com o governo. Os presidentes das Casas do Congresso, prestaram-se a convalidar promessas que não têm credibilidade.
Bolsonaro dá sempre pistas do seu verdadeiro ser. Disse que o ministro da Saúde definirá os procedimentos para o tratamento precoce, mencionando a liberdade dos médicos para receitar livremente a seus pacientes. É uma falácia e uma mentira. Há pessoas morrendo porque tomaram esses remédios que só têm valor na pandemia na crença fantasiosa de Bolsonaro.
O novo ministro, que agora é ministro, disse que desenvolverá o protocolo de tratamento que possa mudar o curso natural da doença. Mentira. A ciência já indicou que este tratamento não existe. Ele pode vir a existir a partir de pesquisas que ainda estão em andamento. A Associação Brasileira de Medicina pediu o banimento desse tratamento, por causa dos riscos envolvidos para várias categorias de pacientes que contraíram a Covid-19. Pior ainda, os medicamentos têm sido oferecidos irresponsavelmente, por receita padrão, como preventivos, sem quaisquer cuidados médicos, testes prévios, ou exames para verificar doenças prévias que podem ser incompatíveis com esses medicamentos. Há, inclusive, receitas fraudulentas sendo dadas a pacientes, ainda no processo de triagem. O novo ministro, já mostrou a que veio. Quer implementar a visão fantasiosa de Bolsonaro de que não estão morrendo tantos brasileiros, sugerindo que há óbitos não-Covid computados mentirosamente como Covid. Mentira de Bolsonaro e do ministro. Não existe esta confusão entre mortos por Covid e mortos por outras doenças. O ministério já começou a falsificar os dados, só registrando os óbitos registrados na data, deixando de fora, portanto, óbitos registrados em datas anteriores, mas ainda não computados. Acontece muito, em fins de semana, quando o plantão não permite esses registros, por haver menos pessoas disponíveis, ou quando há sobrecarga de atendimentos, o que tem ocorrido com frequência cada vez maior. Conclusão, o novo ministro assume já sem credibilidade alguma.
Outra afirmação recorrente e vazia dos políticos, apresentada por Bolsonaro como unânime e prioritária, é a promessa de promover a vacinação em massa. Todos falaram disso, menos o constrangido ministro Fux, presidente do STF, que nem deveria ter estado lá. Para vacinar em massa, é preciso ter vacina. A vacina é o único elo possível entre a promessa e a realidade. Como não há vacina disponível, o ministério tem sistematicamente entregado menos vacinas do que o programado. Logo vacinação em massa, hoje, é um compromisso vazio.
Bolsonaro pode coordenar o combate ao coronavirus, como ele disse que fará? Não pode. Para fazê-lo, ele teria que aceitar a palavra da ciência como palavra final, ter capacidade de diálogo real com os governadores, transferir o poder de decisão e ação para os cientistas e técnicos do governo. Seria necessário que Bolsonaro estivesse disposto a ouvir os governadores e promover o consenso necessário entre estados e União. Ele nunca o fez e nunca o fará. Para coordenar, Bolsonaro teria que mudar. Ele não mudará. É um caso de manual de mente rígida, ideias fixas, típicas da patologia da mentalidade ultra-autoritária. A realidade para esse tipo de personalidade é sempre filtrada por suas inabaláveis convicções.
O principal dado de realidade, o isolamento social, especificamente a restrição rigorosa de mobilidade e o fechamento rigoroso das atividades não-essenciais, pelo prazo necessário a interromper o crescimento exponencial da doença, só recebeu uma tímida menção do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Como se fosse algo excepcional e eventual, quando é a única medida disponível no momento. Com a insuficiente disponibilidade de vacinas, o fechamento das atividades não-essenciais, reduzindo a necessidade de mobilidade, eliminação de aglomerações e redução no número de usuários dos transportes públicos é a única forma de deter a progressão da doença. A Fiocruz acaba de recomendar rigoroso fechamento de atividades não-essenciais, por 14 dias, para conter esse perigoso crescimento exponencial da Covid.
O momento é mesmo de muito perigo, para homens — porque só havia homens na reunião — a quem a sociedade ou a Constituição atribuem responsabilidade pelo bem-estar coletivo, tratarem esse quadro com tamanha leviandade. A progressão da doença como está ocorrendo no Brasil, transforma o país no celeiro de novas variantes do coronavírus. Quando mais casos, maior a probabilidade de mutações. Essa variantes representam um risco real para a eficácia das vacinas. Os números não mentem. Esses homens investidos de responsabilidades, que não conseguem exercer com a seriedade e firmeza que seria de esperar, devem temer o julgamento popular.